No dia 15 de março se comemora o Dia da Escola. Com tantas mudanças culturais, o advento de novas tecnologias e novos paradigmas para o desenvolvimento com autonomia dos estudantes, é preciso discutir qual é o papel que essa instituição hoje realmente desempenha na sociedade. Está claro que, acima de tudo, a instituição não está mais isolada. Cada vez mais, está abrindo suas portas para a participação da comunidade no seu dia-a-dia e em decisões importantes de seu planejamento.
“Tudo isso já está no papel, está na Lei de Diretrizes e Bases, muito bonito, mas realizar é outra história”, afirma Ana Elisa Pereira Flauqer de Siqueira, Diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Des. Amorim Lima, no bairro do Butantã, em São Paulo. Ana se refere ao projeto de “gestão democrática” das escolas, previsto por lei, mas que nem por isso é uma realidade na maioria das escolas.
“Pensar na escola democrática é pensar na sociedade democrática e as questões de fundo que se apresentam para os envolvidos nas relações de uma escola é: o que é uma sociedade democrática para mim? Como eu vejo as questões hierárquicas da escola?” questiona a diretora.
Ana admite que, muitas vezes, a raiz da falta de democracia está no autoritarismo dos próprios diretores, mas que apontar essa como causa do problema não ajuda para a solução. “Se o problema fosse só o autoritarismo do diretor, era fácil. As pessoas se movimentariam para tirar esses diretores e pronto. Mas está posto na sociedade a ideia de que o diretor manda, em geral é isso que esperam os pais, os funcionários e os próprios alunos”, afirma. “Isso precisa ser desmanchado para se construir uma nova perspectiva”, diz.
Minoria democrática
A EMEF Amorim Lima faz parte da minoria das escolas que consegue implantar uma prática de participação e integração entre os diversos perfis de atores do sistema escolar. Desde 2003, famílias ligadas aos estudantes mantêm de forma organizada diversas instâncias de discussão, como Conselho Pedagógico, Conselho de Escola e Assembleia Geral para fazer cumprir a carta de princípios aprovada por professores, pais, alunos e diretora para a instituição.
A Carta foi resultado de um longo processo de discussão estimulado pela implantação dos mais diversos projetos culturais por parte das famílias na escola desde a década de 90. “A participação em uma atividade despertava a percepção para problemas relacionados ao cotidiano e sensibilizava as mães e pais a discutir, mais que os problemas, soluções”, conta a diretora.
Hoje, divididos em comissões e grupos de trabalho, familiares de estudantes e ex-estudantes da escola estão presentes no estabelecimento quase todos os dias, conversando com os funcionários para realizar as ações necessárias para garantir a aplicação do plano de trabalho, com filosofia baseada na experiência da Escola da Ponte, de Portugal.
No entanto, ainda que pareça uma experiência harmônica aos olhos de quem sabe do caso pela primeira vez, é preciso lembrar que a aplicação de um plano construído e mantido coletivamente é resultado do esforço diário e do compromisso de todos os envolvidos.
Engajada nessa discussão, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) defende a “derrubada” dos muros da escola, assumindo uma postura de incentivo aos gestores municipais para que possibilitem o trabalho em rede e a participação das famílias nas escolas. Carlos Eduardo Sanches, presidente da Undime, alerta, no entanto, que é preciso que as escolas se preparem para receber a colaboração da comunidade interessada.
“Como organizar essa participação? É preciso que a escola defina suas próprias expectativas em relação ao papel dos profissionais e em relação ao que espera das famílias. Isso tem que estar alinhado, a acolhida na escola só funciona se tiver um planejamento”, afirma.
Professores
Se os dirigentes querem planejar o que os pais podem fazer e os pais querem apontar o dedo do que esperam dos gestores, o que dizer do professor? Muitas vezes, ele mesmo é o foco de uma atuação nem tão civilizada por parte dos pais. No caso da EMEF Amorim Lima, boa parte das discussões entre os pais foram iniciadas por causa de questionamentos a respeito da dedicação dos professores que, segundo os pais, apresentavam um índice de faltas acima do aceitável.
Os professores, por sua vez, não viam com bons olhos tanta participação das famílias na escola. Além de muitas vezes eles se mostrarem enciumados pelos pais serem os protagonistas de atividades extracurriculares, a ideia de haver controle e exigência de qualidade sobre suas atividades era vista por alguns profissionais como uma ameaça a sua autonomia.
Pelo lado dos dirigentes, Sanches não foge de comentar a velha polêmica entre professores e comunidade: “pai e mãe não vão assumir o papel que é do professor. Não se pode perder de vista que o trabalho desenvolvido na sala de aula é feito pelo professor, mas quando os pais ajudam, isso soma”.
Murilo Rossi, professor da Escola Estadual Guiomar Rocha Rinaldi, em São Paulo, admite que em parte a resistência dos profissionais a se adaptar ao modelo de gestão democrática vem de uma dificuldade de adaptação cultural, porque boa parte de seus colegas é de uma geração que tinha como foco exclusivo o conhecimento acadêmico e não acredita que o professor tem que ter mais responsabilidade do que a transmissão de conteúdo.
Mas ele também não deixa de apontar que a questão salarial dificulta a motivação para que os professores se envolvam em atividades que ultrapassem os horários de aula e as metas acadêmicas. “Se houvesse uma política de gestão que previsse banco de horas ou o pagamento de hora-extra, talvez o profissional conseguisse se dedicar a somente um emprego e se envolvesse integralmente nessas atividades”, aponta o professor, que não se mantém apenas com o salário da Escola.
Foco na sociedade
Rossi acredita, no entanto, que o que falta mesmo é mobilização política: nem mesmo para buscar melhores salários os professores conseguem se articular para fazer uma atuação coletiva, afirma. Nesse ponto, Rossi, Ana e Sanches concordam: o foco da gestão democrática da escola não deve se limitar ao próprio estabelecimento. Trata-se de uma mudança cultural que diz respeito à postura dos cidadãos e, ainda mais, aos problemas da própria sociedade.
“A escola tem que abrir espaço, debater o perfil da região e ofertar participação para as pessoas em suas atividades cotidianas ou mesmo abrir suas portas para outras atividades e experiências que ajudam o desenvolvimento local. Aulas de informática, alfabetização de adultos, abertura de bibliotecas, acesso a internet. Todas essas ações são formas de exercício da cidadania. Todas as ações da escola têm que ser mobilizadas a esse favor”, conclui Sanches.
Para Luis Braga, integrante e colaborador do Conselho de Escola da Amorim Lima, como pai de ex-alunos, a motivação para participar de atividades como essas é justamente esse projeto político: “o que eu buscava [ao começar a participar] era essa utopia, a construção de uma escola pública popular e de qualidade. A escola é a única via para construir a sociedade”.
fonte:Portal Pro-menino