Escola desenvolve projeto modelo de resgate cultural

Na Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, em São Paulo, pais e professores se uniram com a proposta de cuidar da infância e preservar a cultura do País.
Com uma dose de boa vontade e seguindo a fórmula que soma carinho, organização, presença e participação da comunidade, a arte e a educação puderam caminhar juntas e fizeram da Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, no bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo, um exemplo a ser seguido.
Tudo começou quando a Associação de Pais e Mestres da escola resolveu atuar de maneira mais ativa na vida escolar. Em um primeiro momento, as mães receberam a incumbência de inventar atividades para a hora do recreio. “Elas resgataram brincadeiras simples e populares que já fizeram parte da infância e hoje em dia ficaram de lado, como roda, pular corda, amarelinha”, lembra a diretora Ana Siqueira. A bagunça do recreio cresceu, integrou crianças e mães e ganhou o status de Oficina de Brincadeiras. “As crianças, hoje, vivem isoladas em casa, a rua é uma ameaça e todo o lado lúdico que o ato de brincar na rua oferecia se perdeu. A idéia é a de que a escola seja um espaço para brincadeiras, um local onde a criança exercite o direito de ser criança”, explica Conceição Acioli, coordenadora do projeto. Conceição é uma das mães da escola, com formação em teatro de bonecos e uma das mentoras de série de atividades que ocorrem no
colégio.
A proposta da direção da escola sempre foi clara: preservar a infância e a cultura do País. De que maneira? Mantendo viva a tradição. As festas juninas do Amorim contam com quadrilha e música caipira de raiz. “Aqui não tem Tchan ou popozudas, tomamos cuidado na escolha das músicas, daquilo que transmitimos aos alunos”, diz a diretora. “Outro aspecto importante é fazer com que as mães participem do desenvolvimento de seus filhos, que a mãe assuma o papel de mãe e também o de educadora”, observa Conceição. O segundo passo foi a criação da Cia. das Mães para teatro de bonecos. Elas foram as responsáveis pela confecção dos bonecos e roteiro das histórias apresentadas aos alunos na sala de leitura. Os
textos debatem temas como cooperação entre as pessoas, integração, respeito às diferenças e tópicos presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente. Por meio das peças e brincadeiras, são mostrados conceitos e valores, um campo fértil para o aprendizado. “As crianças estão receptivas e aprendem com mais facilidade, de maneira divertida”, cometa Ana. A idéia cresceu e tomou forma de projeto que foi enviado à Fundação Abrinq. “Mandamos em 1999, o projeto voltou, fizemos ajustes e então passamos a participar do programa Crer para Ver”, conta Ana. O Crer para Ver tem como objetivo apoiar iniciativas e dar meios para a criatividade florescer dentro das escolas públicas. Uma contribuição da fundação à construção da cidadania. “Esticamos a verba que recebemos para o trabalho de um ano, para dois”, afirma a diretora. Atualmente, o projeto conta com apoio do Núcleo de Ação Educativa (NAE) e da Secretaria Municipal de Educação. Na prática – O Amorim Lima transformou-se em Oficina de Cultura Brasileira. Além da Oficina de Brincadeiras, os alunos das 3.ª e 4.ª séries ganharam aulas de dança popular, uma seqüência às brincadeiras de roda dos primeiros anos, acrescida de música ao vivo e movimentos coreográficos ligados às letras das canções. As aulas ocorrem às sextas-feiras, sempre no horário de aula. A coordenação dessa área é feita por Graça Reis e seu filho Téo, do Grupo Cupuaçu. O Cupuaçu é importante representante da cultura nordestina em São Paulo. Localizado no Morro do Querosene, onde os artistas se reúnem para preservar a memória das festas do bumba-meu-boi, o grupo tornou-se um núcleo de resistência e preservação cultural. “Ensinamos uma série de danças regionais como a cacuria, a ciranda, dança do caroço de Tutóia, entre outras. As crianças também têm a oportunidade de conhecer e aprender a tocar instrumentos regionais”, comenta Graça.
Mas não foi fácil vencer o preconceito de alguns pais. “Enfrentamos certa barreira criada por algumas pessoas que não entendem o significado da cultura brasileira. Então, tivemos de explicar claramente para familiares qual era a nossa proposta”, explica Ana.Nessa mesma linha, um jogo que certamente é um dos maiores expoentes da cultura do País: as aulas de capoeira oferecidas por Mestre
Alcides de Lima. A capoeira além de ser uma atividade física, exige muita atenção e disciplina por parte dos participantes, elementos que são assimilados pelos alunos. “Trabalho com a coordenação motora, sociabilidade, auto-estima e também com outras disciplinas, como história e geografia. Posso explicar o ciclo da cana-de-açúcar a partir da história da capoeira, por exemplo”, avalia Mestre Alcides. Para desenvolver a disciplina corporal, incentivar o respeito ao outro e estimular a concentração, os meninos recebem aulas de técnicas circenses fora do horário de aula. A coordenação fica por conta dos profissionais do Circo Nosotros. E, por fim, o músico Marcio Miele introduz aulas de musicalização. A escola já conta com um coral composto por 30 crianças da 1.ª à 3.ª série, que são acompanhadas, nas apresentações, por flauta doce. “Esse projeto pôde ser posto em prática por contarmos com o apoio da comunidade, que se dispôs a colaborar com a direção da escola”, elogia Ana. “Acredito que outras escolas possuem uma vizinhança interessada e talentosa como a nossa, é importante multiplicarmos essa proposta de reflexão e cidadania”, comenta Conceição. Todas essas atividades já fazem parte da vida da Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, que deixou de lado a cara sisuda dos colégios tradicionais para ser um espaço de vivência. “Esse projeto já faz parte do currículo, quem quiser estudar ou trabalhar aqui sabe como funciona a escola e para nós todas essas ações têm sabor de conquista”, orgulha-se Ana.

Karla Dunder

Fonte: Agência Estado