Histórico

Histórico

Em 10 de agosto de 2005, Stella Maris Nicolau e Luis Braga (pais de alunos e colaboradores da escola), propuseram ao Conselho de Escola a constituição de um grupo de alunos para pensar e preparar a implantação de assembléias de alunos na EMEF Amorim Lima. A proposta foi aprovada pelo Conselho e em 11 de agosto de 2005, Stella e Luis percorreram todas as classes do ciclo II convidando à participação.

A primeira reunião com o grupo dos alunos interessados aconteceu em 17 de agosto de 2005, com a presença de 15 alunos. A partir dessa data fizemos reuniões
semanais com os seguintes objetivos:

  • entender o funcionamento do Conselho de Escola e o papel dos alunos nas instâncias de deliberação.
  • compreender o que é uma assembléia e como esta se organiza.
  • discutir o papel do aluno na vida escolar.

As reuniões foram conduzidas com jogos de integração, técnicas de dinâmica de grupo e simulações de assembléias.
Este grupo decidiu, e o Conselho de Escola aprovou, a realização das primeiras assembléias de alunos em 25 de novembro de 2005. Foi enviada carta aos educadores da escola a fim de esclarecê-los sobre a importância destes acompanharem e apoiarem as assembléias, deixando todavia a coordenação a cargo dos alunos.
O grupo de preparação elencou 12 temas que julgou de interesse do conjunto dos alunos da escola. Organizou-se uma eleição a fim de escolher, entre esses temas, os 2 que seriam pontos de pauta das assembléias.
Os dois temas mais votados pelos alunos e que seriam pontos de pauta das assembléias foram:

  • Uso dos computadores no salão.
  • O modo de formação dos grupos dos alunos no salão.

No dia 25 de novembro de 2005, os alunos do grupo de preparação, agora com 9 integrantes, dividiram-se em trios e coordenaram simultaneamente três assembléias pela manhã e três assembléias à tarde. A escola disponibilizou equipamento de som (microfones) nas salas, e cada assembléia contou com cerca de 100 alunos e com a presença dos professores que se prontificaram a apoiar os coordenadores caso houvesse necessidade, mas mantiveram a postura de observadores, deixando a cargo dos alunos a condução do processo.
Em todas as assembléias foram discutidos os dois pontos de pauta mais votados pelos alunos e também outros assuntos relativos à vida escolar foram levantados por estes. Alguns em tom de queixa, outros em forma de sugestão. O clima nas assembléias oscilou entre momentos de maior agitação e tumulto, para momentos onde se respeitavam as inscrições e a palavra era pedida com respeito. O grupo de preparação avaliou que o saldo fôra positivo, e que os alunos coordenadores conseguiram conduzir com segurança as assembléias, e esclarecer aos presentes que as deliberações das assembléias só poderiam efetivar-se depois de discutidas e aprovadas pelo Conselho de Escola, instância máxima de decisão da escola.
Em 30 de novembro de 2005, em reunião de Conselho de Escola, os coordenadores
das assembléias apresentaram uma avaliação das seis assembléias que ocorreram na escola e apresentaram uma série de queixas e reivindicações dos alunos, tais como, o pedido de estes escolherem seus grupos de estudo no salão, a instalação de armários para guarda de pertences, a melhor organização do uso dos computadores no salão, a realização de campeonatos esportivos na escola, a confecção de carteirinhas para identificação dos alunos e outros. O Conselho avaliou a experiência como positiva e o grupo de preparação se disponibiliza a continuar o trabalho em 2006.
Em Março de 2006, retomam-se as reuniões do grupo de preparação, mas o mesmo encontra-se esvaziado, com três alunas atuantes. Discute-se a necessidade de nova estratégia de trabalho e, juntamente com o Conselho Pedagógico discutiu-se a necessidade de revitalizar os Grupos de Responsabilidades.
Cada tutoria deveria constituir um grupo de responsabilidades e enviar um representante para reuniões com o grupo de preparação de assembléias. Foram feitas três reuniões que agregaram os representantes de todas as tutorias a fim de discutir as tarefas dos grupos de responsabilidade. Nessas reuniões os alunos se queixavam de dificuldades na esfera dos relacionamentos na escola, onde os problemas ocorriam devido a falta de respeito e de compromisso de alunos, educadores e funcionários. Nesse sentido o grupo de preparação sugeriu que se criasse uma Carta de Princípios de Convivência, onde todas as tutorias se comprometessem a discutir e sugerir pontos para compor essa carta, e assim o fizeram.
Mais de 40 grupos apresentaram sugestões à Carta dos Princípios de Convivência
e o grupo de preparação as compilou, buscando contemplar todas as sugestões, sendo os pontos polêmicos levados ao Conselho de Escola.

A redação final da carta foi aprovada na reunião extraordinária do Conselho
de Escola de 17 de novembro de 2006.

Regulamento Interno para Escolas em Regime de Autonomia

Regulamento Interno para Escolas em Regime de Autonomia

I – Objetivos e âmbito de aplicação

O presente Regulamento, após aprovado pelo Conselho de Escola, passará a ser parte integrante do Projeto Político Pedagógico, visando:

1) Explicitar as diversas instâncias de poder que compõem o coletivo da escola, organizando-as no sentido da melhor implantação do Projeto Pedagógico e do mais harmônico e eficaz funcionamento da escola. Apesar de propor instâncias e uma particular relação entre elas, o propugnado neste Regulamento coaduna-se absolutamente com as normativas que regem a educação brasileira, tanto a nível federal quanto a nível municipal, cabendo destacar:
1.1) O Estatuto da Criança e do Adolescente
1.2) As Leis de Diretrizes e Bases da Educação
1.3) O Regimento Geral das Escolas Municipais de São Paulo

2) Favorecer a tomada compartilhada de decisões procurando, todavia, não incorrer em excesso de burocracia que venha a prejudicar a agilidade necessária ao atendimento das demandas do funcionamento diário.

II – Dos Órgãos da Escola e de suas atribuições

De acordo com este Regulamento, e a despeito de outras considerações, será o coletivo da escola organizado através das seguintes instâncias:

1) O Conselho de Escola

De caráter paritário, o Conselho de Escola, caracterizado no Regimento Geral das Escolas Municipais, é o órgão deliberativo máximo da escola. Conforme estabelecido no Regimento Geral, o Conselho de Escola será composto:

a) No caso das EMEF’s, de acordo com o número de salas da unidade escolar:
• Por até 10 representantes dos alunos.
• Por até 10 representantes dos pais / responsáveis pela educação.
• Por até 10 representantes dos professores.
• Por até 10 representantes da equipe técnica da escola, incluindo sua diretora, que tem no Conselho assento garantido.

b) No caso das EMEI’s, a paridade se dará entre os pais e a equipe escolar, com 50% dos representantes advindos de cada um desses segmentos.

Em ambos os casos os representantes são eleitos por seus pares, com mandato anual.

Caberá ao Conselho de Escola, além das atribuições já definidas na legislação vigente:
1.1) Definir as grandes linhas educacionais da Escola.
1.2) Discutir, sugerir modificações e aprovar o Projeto Pedagógico, zelando por sua implantação.
1.3) Discutir, sugerir modificações e aprovar o Regulamento Interno, ratificando a formação do Conselho Pedagógico e outorgando-lhe poder para a elaboração e condução das práticas pedagógicas que julgar adequadas, sempre de acordo com o Projeto Pedagógico.
1.4) Referendar o preenchimento de cargos e funções, conforme o proposto pelo Conselho de Escola.

2) O Conselho Pedagógico

Ao Conselho Pedagógico caberá a coordenação e orientação pedagógica da escola, em consonância com o determinado e aprovado no Projeto Pedagógico. Serão atribuições do Conselho Pedagógico:
2.1) A elaboração e coordenação das bases curriculares da escola.
2.2) A aprovação dos contratos de parceria que interfiram no funcionamento da escola, devendo todavia tal aprovação ser apreciada e ratificada pelo Conselho de Escola anteriormente à sua implementação.
2.3) A gestão dos dispositivos de formação continuada da equipe educativa, escolhendo as estratégias e aprovando os profissionais que irão desenvolvê-las.
2.4) A seleção e coordenação da equipe de educadores voluntários e contratados esporádica ou especialmente.
2.5) No que tange aos educadores da Rede Municipal, a serem alocados na unidade escolar através do Regime Especial de Acomodação de Cargos, caberá ao Conselho Pedagógico: a) pronunciar-se quanto às necessidades e às prioridades das funções e cargos; b) avaliar os candidatos aos cargos e funções através dos métodos que julgar adequados, de forma clara e transparente; e c) submeter, tanto as sugestões de cargo quanto as dos candidatos, ao exame do Conselho de Escola, que irá, ou não, referendá-los.
2.6) Pronunciar-se acerca da utilização dos recursos financeiros, estabelecendo as prioridades no sentido da melhor implantação do Projeto Pedagógico.

O Conselho Pedagógico será formado:
• Pelo Coordenador Geral do Projeto, cargo exercido pela diretora regimental da Escola, que o presidirá.
• Pelos Coordenadores Pedagógicos regimentais da escola.
• Por 3 professores, escolhidos democraticamente por seus pares, com mandato anual.
• Por 2 representantes da comunidade, comprometidos com a escola pública de forma geral e com o Projeto Pedagógico da unidade escolar específicamente – mas sem necessidade de manterem com ela qualquer vínculo formal. Tais representantes serão escolhidos e referendados pelo Conselho de Escola a partir de sugestões do coletivo da unidade escolar.
• Por 2 representantes do segmento dos pais, escolhidos por eles e referendados pelo Conselho de Escola.

3) Conselho de Gestão Financeira

O Conselho de Gestão Financeira será o órgão responsável pela administração dos recursos financeiros da escola.

O Conselho de Gestão Financeira será composto:

a) Pelo diretor da unidade escolar ou outro profissional por ele designado.
b) Por dois representantes da Associação de Pais e Mestres, sendo um titular e um suplente.
c) Por dois 2 representantes dos pais, escolhidos por seus pares, com mandato anual renovável.
d) Propõe-se a contratação, pela Secretaria Municipal de Educação, de profissional da área de Ciências Contábeis que, lotado em uma ou mais unidades escolares em regime de autonomia, encarregue-se dos trâmites necessários ao correto cumprimento das exigências legais relativas à administração financeira destas unidades.

A gestão financeira deverá ser bimestralmente aprovada por um Conselho Fiscal, formado por 2 representantes dos pais e 2 representantes dos professores, escolhidos por seus pares, com mandato anual renovável.

São atribuições do Conselho de Gestão Financeira.

3.1) Elaborar, em consonância com o Conselho Pedagógico, o Orçamento Financeiro Anual, apresentando-o para aprovação ao Conselho de Escola. Do Orçamento deverá constar:
3.1.1) As previsões de gastos mensais, discriminados por rubricas específicas determinadas pelo Conselho de Escola.
3.1.2) A determinação dos graus de prioridade das despesas, estabelecidos através de níveis de 0 a 4, onde o grau 0 é o grau máximo de prioridade.

3.2) Acompanhar a execução do orçamento financeiro aprovado pelo Conselho de Escola. Nesta execução:
3.2.1) Os compromissos financeiros deverão obedecer aos graus de prioridade constantes do orçamento e aprovados pelo Conselho de Escola.
3.2.2) Será permitido ao Conselho de Gestão Financeira um remanejamento de até 20% da verba prevista para cada rubrica aprovada no Orçamento, desde que o gasto suplementar não prejudique a verba alocada em outras rubricas. Qualquer desvio superior a 20% deverá ser submetido à nova aprovação pelo Conselho de Escola, independentemente de haver recurso disponível.

3.3) Caberá ao CGF divulgar bimestralmente um Relatório de Gestão, explicitando a detalhada utilização dos recursos.

3.4) O Relatório de Gestão deverá ser bimestralmente submetido à apreciação do Conselho Fiscal, para sua conferência e aprovação unânime. Eventual ressalva de quaisquer dos Conselheiros deverá ser encaminhada ao Conselho de Escola.

Por uma imprensa responsável

 

Por uma imprensa responsável

Em 19 de abril de 2007, após decisão tomada na reunião do Conselho de Escola do dia anterior, apresentamos à Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude da Capital uma Representação contra a Rádio Jovem Pan. Em vinhetas veiculadas entre 09 e 16 de abril, houvera sido entrevistada aluna da escola com supostas dificuldades de leitura – e eram veiculados tanto o nome da criança quanto da escola. Nós entendemos à época, como ainda entendemos hoje, que havia falha grave da emissora em nominar a criança e a escola onde estuda, de maneira a permitir fosse identificada, visto que a vinheta a tratava, no nosso entender, de forma altamente desabonadora. A Representação virou Inquérito Civil, a Rádio foi instada a se manifestar, e nós fomos convidados a melhor esclarecer nossas ponderações iniciais. Finalmente, em 09 de agosto de 2007 a Promotoria comunica-nos que houvera entendido que a veiculação das vinhetas não configurava crime de imprensa, arquivando o inquérito.
Acesse:

Transcriçaõ da vinheta Rádio Jovem Pan

Locutor 1: Um progresso na educação precisa ser reconhecido. É muito difícil encontrar uma criança fora da escola.

Repórter: E você estuda também?
Mulher 1: Estuda, mas não sabe ler.

Locutor 1: Estuda, mas não sabe ler. A frase é repetida pelas mães com uma freqüência assustadora nos bairros próximos do centro de São Paulo.

Repórter: N., 9 anos, onde que você estuda?
N.: No Amorim Lima.
Repórter: Amorim Lima. Pra que ano você passou agora?
N.: Quarto.
Repórter: Cê sabe lê o que está escrito aqui na porta do carro?
N.: Sei. Rá-pi … rapidinho.
Repórter: Rádio.
N.: Ah. É.

Menino: A tem-pe-ra-tu-ra do pra-pra… pra-neta es- estão supindo… supindo ao..alémdo universo.
Repórter: E isso que você leu você consegue explicar o que que é?
Menino: Não.
Repórter: Cê já vai fazer a quarta de novo agora!
Menino: Ahã.
Locutor 1: Quando uma criança chega à quarta série lendo desse jeito, os livros didáticos se transformam num verdadeiro enigma.

Repórter: E livro, assim. Que livro que cê já leu?
Menino: Eu não gosto ler livro, não. Só de escola quando a professora dá pa lê.
Repórter: Mas ela dá pra lê, por exemplo, livro de historinha ou só é o livro da aula?
Menino: É livro da aula. De historinha, só a professora de Artes dá.

Repórter: Essas letras grandes, você sabe qual é uma letra daí?
Menina: Eu não consigo lê assim.

Repórter: E como você faz pra estudar geografia, ciências?
Menina: A professora dá… é… dá um negócio assim tipo da primeira série.
Repórter: Quantos anos você têm? E em que série você está?
Menina: Eu tenho nove. Eu tô na quarta.

Locutor 1: Há quatro anos essa aluna estuda as matérias da primeira série, só que está na quarta, e sem nenhuma esperança de recuperar o que perdeu até agora. Nossas crianças não podem ser condenadas a esse tipo de educação. Semente do amanhã, alicerce da pátria.

 

Ao Ministério Público do Estado de São Paulo

A/C Procuradoria de Interesses Difusos e Coletivos

Prezados senhores

O Conselho de Escola da Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima, situada no bairro do Butantã, em São Paulo, vem, através de seu presidente Luis Gonzaga Braga Filho, RG 8.657.029-8 e CPF 006.216.398-18, e após deliberação em Assembléia Extraordinária realizada em 18/04/07, respeitosamente apresentar-lhes a seguinte representação:

1) A Rádio Jovem Pan AM vem realizando, há alguns meses, uma série de reportagens sobre o ensino nas redes públicas de ensino em São Paulo (disponíveis no endereço www.jovempan.com.br), em que são entrevistados alunos de diversas instituições. Nessas entrevistas não são, normalmente, identificados nem a escola nem o aluno.
2) Durante a semana de 09 a 16 de abril corrente a Rádio veiculou, várias vezes por dia, matéria montada com diversos trechos de supostas entrevistas em que são apresentados o nome da menina N., de 9 anos, aluna da escola (transcrição aproximada anexa) e o nome da escola. A matéria é altamente depreciativa tanto no que se refere à escola quanto no que se refere à aluna.
3) O Conselho de Escola entende que, além dos prejuízos que a matéria pode causar à aluna, especificamente, a reportagem é irresponsável e leviana, e altamente perniciosa à totalidade dos alunos da EMEF Desembargador Amorim Lima. Outras crianças são entrevistadas – sendo ressaltadas suas supostas dificuldades de leitura – sem identificação, fazendo crer que estudam também na EMEF Amorim Lima. Tendo a escola cerca de 860 alunos, não fica absolutamente transparente na matéria qual o critério que levou a reportagem a buscar essa estudante especificamente.
A EMEF Desembargador Amorim Lima é uma escola absolutamente aberta à comunidade. O esforço de melhoria da escola, empreendido já há alguns anos pelos corpos técnico e docente, pelos pais e pelos alunos –além de dezenas de profissionais voluntários das mais diversas áreas – tem suscitado visitas numa freqüência inusual, que nos fizeram, inclusive, criar um Grupo de Responsabilidade exclusivamente para recebê-las. A escola já foi visitada por grupos de estudantes e professores de pedagogia de vários estados brasileiros e inclusive do exterior. Foi objeto de dezenas de matérias na imprensa diária e especializada, foi bloco do programa Globo Repórter de novembro de 2005 e, nesta semana em que estamos, foi detalhadamente filmada para programa da Rede Futura, que irá ao ar no próximo sábado. Houvesse interesse da Rádio Jovem Pan em conhecer o trabalho da escola e a reportagem seria recebida por um grupo de estudantes que lhes haveria de mostrar a escola como ela é: com problemas, mas imersa num enorme, contínuo e coletivo esforço de melhoria.

Nesse sentido, o Conselho de Escola vem solicitar a esse Ministério que empreenda seus melhores esforços no sentido de esclarecer:

a) Quais os critérios utilizados para a escolha da aluna a ser entrevistado, e como a reportagem chegou até ela.
b) Se os outros alunos entrevistados na mesma reportagem são também alunos da EMEF Amorim Lima. Não sendo, por que motivo a reportagem não deixa isso claro, e faz parecer tratar-se de alunos da Amorim Lima, única escola citada na reportagem.
c) Se, em outras reportagens, não são citados nem os alunos nem a escola, qual a motivação que fez a produção da rádio explicitar nesta reportagem tanto um quanto outro. Cabe aqui ressaltar que na quarta-feira, 11/04, o Sr. Gilberto Frachetta, ex-presidente do Conselho de Escola da EMEF, entrou em contato com a produtora do programa, Sra. Renata Peribelli – que lhe disse que “o nome escapou”, mas que não tomou providências e permitiu que a reportagem continuasse sendo veiculada até 15/04.

Assim, considerando que a reportagem – mais uma vez: leviana, maldosa, irresponsável – desrespeitou e ofendeu a totalidade dos alunos da escola; desconsiderou o esforço e o trabalho empreendido por toda uma comunidade; manipulou as entrevistas e declarações no sentido de fazer parecer tratar-se de alunos da EMEF Desembargador Amorim Lima crianças que não o são; e ainda no sentido de defender a escola pública, de forma geral, de interesses subalternos travestidos de reportagens supostamente de cunho social, vimos solicitar a esse Ministério que nos auxilie na promoção das seguintes reparações:

a) Que, ao se confirmar que a reportagem em questão deixou transparecer tratar-se de alunos da EMEF Desembargador Amorim Lima crianças que não o são, seja da Rádio Jovem Pan exigido um pedido formal de desculpas aos alunos da escola, com a mesma freqüência, nos mesmos horários e na mesma duração das reportagens veiculadas.
b) Que a Rádio Jovem Pan seja intimada a mostrar, além das mazelas, os variados esforços coletivos que estão sendo empreendidos no sentido de melhorar a escola pública em São Paulo, realizando uma série de reportagens – longas e honestamente pautadas – sobre elas. A reportagem na EMEF Desembargador Amorim Lima deveria minimamente acompanhar:
• Uma reunião completa do Conselho Pedagógico – em que se reunem semanalmente, fora do horário de trabalho, a diretora da escola, três professores, a coordenadora pedagógica, dois intelectuais voluntários, o mestre de capoeira e dois representantes dos pais, a fim de pensar e coordenar a implantação das linhas pedagógicas da EMEF.
• Uma reunião dos representantes dos Grupos de Responsabilidade da escola, em que as crianças, a partir da segunda série, fazem-se cargo de responsabilidades específicas tais como Recreio Legal, Boa Vizinhança, Visitas, etc. Caberia também acompanhar uma reunião dos coordenadores desse grupo – alunos das 7as. e 8as. séries da escola que, fora de seu horário de aula, coordenam o trabalho dos representantes.
• Uma reunião do Conselho de Escola.
• O enorme trabalho de concepção e construção dos Roteiros Temáticos de Pesquisa, elaborados pelo professor Geraldo Tadeu Souza, doutor em lingüística pela Universidade de São Paulo, contratado pela escola em regime de dedicação exclusiva e para quem se está tentando obter uma bolsa de pesquisador residente. Além das atividades de pesquisa que são o cerne do nosso Projeto Pedagógico, deveria a reportagem acompanhar as variadas atividades do dia-a-dia da escola: as oficinas de artes; a oficina de capoeira; a oficina Estação Butantã, que no ano passado realizou com os alunos das 1as. séries 17 passeios pelo bairro; a oficina Vigilantes da Natureza.
• Caberia ainda destacar as melhorias conseguidas através de parcerias e do esforço da comunidade: a biblioteca, em ambiente agradável, com seu acervo em processo de total informatização graças ao esforço de mães e voluntárias; a Casa de Cultura Guarani / Opy Guasu– provavelmente o único espaço consagrado pelo povo guarani numa escola pública em todo o país; o forno caipira e Espaço Cora Coralina; a sala de informática, funcionando em parceria com empresa privada; o laboratório de fotografia, em construção graças ao esforço de pais; as aulas de educação física, sendo ministradas por faculdade privada numa parceira com a escola; a parceria com o Centro de Saúde Escola do Butantã; a parceria com o Parque Zoológico de São Paulo, que fez da Amorim Lima a escola-piloto num projeto de aproximação do Zoológico com as escolas públicas de São Paulo; a parceria com Centro de Atenção Psico-Social? do Butantã e com o Instituto Moreira Sales, que envolverá pacientes do Caps e pais de alunos da escola; o trabalho do Grupo de Estratégias Especiais em Educação, empreendido por 5 psicólogas voluntárias. Caberia ainda à reportagem da rádio deslindar os motivos que levaram a EMEF Desembargador Amorim Lima ser considerada Ponto de Cultura pelo Ministério da Cultura, e ser agraciada com a Salva de Prata, conferida pela Câmara Municipal de São Paulo.

Agradecendo muitíssimo sua atenção, subscrevo-me,

Atenciosamente

Luis Braga
Presidente do Conselho de Escola
EMEF Desembargador Amorim Lima

À Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses

Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude da Capital

A/C Excelentíssimo Sr. Dr. Motauri Ciocchetti de Souza

Ref. Of. No. 3947/2007
IC No. 219/2007

Prezado Senhor

Concernentemente às alegações da Rádio Panamericana S.A. que nos foram encaminhadas através do Ofício em epígrafe, gostaríamos de respeitosamente ponderar-lhe que em nada contradizem as afirmações de nossa Representação inicial – bastante pelo contrário: reforçam-nas. Se não, vejamos:

1) A defesa da emissora centra-se na afirmação de que seria a vinheta objeto da Representação uma prestação de serviço, cujo interesse público haveria de justificar tanto a citação do nome de crianças quanto de escolas. Não obstante o evidente equívoco da asserção, pois, como se verá a seguir, não há como admitir que a pretexto de prestar serviço vulnerem-se garantias fundamentais e direitos indisponíveis, parecem oportunas algumas reflexões preliminares. Em primeiro lugar, cabe refletir que, fossem as vinhetas algo a que se poderia definir como matéria jornalística, delas haveria de se poder esperar: ou um conteúdo predominantemente informativo; ou um trabalho investigativo sério; ou finalmente um esforço de análise que relacionasse dados concretos e contextualizados, à luz de um mínimo de racionalidade. Nenhuma dessas vertentes foi minimamente resvalada pela emissora – nem na vinheta 5, objeto da Representação, nem nas outras tantas que a Emissora veiculou.

Quanto à vertente da informação: não há, nas vinhetas veiculadas, a apresentação de uma única informação concreta que pudesse oferecer ao ouvinte a possibilidade de formar um quadro mais claro e mais preciso da Educação nem na cidade nem no país. Não são apresentados quaisquer dados relevantes; não é feito nenhum esforço comparativo; as reportagens/vinhetas não são iluminadas por nenhuma informação relativa aos sistemas ou às políticas de educação; não são ao menos diferenciados os sistemas municipal e estadual de ensino – naturalmente coordenados por políticas e submetidos a legislação diferentes. Não se fala de número de alunos, de verba, de salário – em suma, há de se concordar que a preocupação e a ênfase das vinhetas não são, absolutamente, informar.

Quanto a serem as vinhetas fruto de jornalismo investigativo: não há uma única busca de causa primária, um único esforço de avançar para além de observações pueris. Não há o mínimo compromisso não só com a Educação, mas com a racionalidade. Nesse sentido a Vinheta 10 é emblemática. Afirmações do tipo: “Na capital paulista é comum encontrar alunos da quarta série com dificuldades para entender a cartilha…”; ou, referindo-se a Brasília: “Uma aluna que chega à quinta série lendo assim é um caso grave, mas não é comum em Brasília…O mais comum é que as crianças só passem para a segunda série depois de aprender a ler e a escrever…”. “Em Recanto das Emas e Estrutural, cidades satélites de Brasília, o mais comum é que alunos da quarta série saibam ler textos adequados à idade. Na capital paulista, é comum que os alunos da mesma quarta série leiam com dificuldade a cartilha da primeira série.” Tratar a Educação nesses termos é um escárnio. O que a emissora quer dizer com termos como comum, e mais comum? Depreende-se inequivocamente que em São Paulo a reportagem saiu do estúdio convencida de que a Educação é ruim, e foi à cata da matéria que atestasse essa convicção. Em Brasília, sabe-se lá por que, saiu convencida de que a Educação é de qualidade e, ao deparar-se com aluna que apresenta a mesma suposta dificuldade de leitura que os alunos de São Paulo, diz que isso não é comum… Então cita, para desqualificar, que o MEC dá notas parecidas às duas cidades – ou seja, o único dado que foi obtido com um mínimo de racionalidade, com critérios minimamente científicos, é desqualificado para reafirmar a convicção que em Brasília a educação é de qualidade, e em São Paulo não é. A reportagem não busca absolutamente algo que já não soubesse – ou julgava saber. O ato investigativo requer que, a partir de uma hipótese previamente formulada, se vá a campo com a possibilidade tanto de comprová-la quanto de refutá-la. Tratar a questão com a displicência e com o descaso expressos em comum, mais comum, é obviamente acomodar o dado à hipótese – ou seja, um método, digamos, pré-científico. Comum, para a Emissora, o que seria, numa escala mensurável: 50%? Mais comum seria, digamos, 60%? Não sabemos. Talvez seja uma terminologia interna da Emissora – de todo o modo, não é forma de investigação aceita pelo menos desde a Idade Média.

Verifiquemos, finalmente, se as tais vinhetas poderiam ser consideradas fruto de um esforço analítico – ou seja, um ato não de investigação, não de informação, mas de pensamento. Mas, haveria pensamento embasando as vinhetas? Pensamento é faculdade de concatenar idéias, de formular conceitos, de estabelecer relações. Nenhum pensamento, nem num sentido bastante largo do termo, haverá de ser encontrado na vinheta 5, objeto da Representação – assim como nas demais. As afirmações e as falas esparsas veiculadas em nenhum momento dialogam com a vasta bibliografia e a vasta pesquisa referentes à Educação no Brasil. Das várias linhas, das várias interpretações, dos variados esforços de superação e de construção de uma Educação de qualidade no Brasil, nenhum é citado. Nem um único autor; nenhuma hipótese de causa; nenhuma sugestão de caminho a ser seguido: definitivamente, as vinhetas objetos da Representação não são, nem de longe, frutos de um esforço de pensamento.

Se não informou, se não investigou, se não analisou, como pode a Emissora alegar que presta serviço de interesse social? Que interesse social pode haver no gosto – convenhamos que um tanto perverso – de submeter crianças e adolescentes a situação de constrangimento?

2) A Representação apresentada a esta Promotoria foi concebida e preparada no âmbito do Conselho de Escola da EMEF – que a Emissora possivelmente não sabe o que seja, e que pois convém relembrar: a instância deliberativa máxima da escola, amparada pela lei e formada paritariamente por professores, pais, alunos e equipe técnica, democraticamente eleitos por seus pares. O Conselho de Escola é hoje, inclusive, presidido por pai de aluno. A afirmação da Emissora – empresa privada – de que a escola estaria “pretendendo utilizar a Nobre Instituição do Ministério Público de São Paulo para seus interesses privados de promoção.” é, pois, além de uma tentativa canhestra e torpe de desviar o foco da questão, uma afronta não só à comunidade da escola, mas à inteligência de quem lê. Como admitir que uma escola pública, absolutamente PÚBLICA, que se apóia e é orientada por políticas públicas, absolutamente aberta à comunidade, com seu pensamento, sua trajetória, suas reuniões e suas atas abertas e públicas, possa utilizar o que quer que seja em interesse privado – quanto mais de promoção? Estaríamos querendo nos promover com qual intuito privado? A emissora poderia precisar? Quereríamos obter mais alunos? Ou alguns de nós estaríamos buscando auferir lucro pessoal? É isso uma denúncia ou mais uma afirmação retórica, vazia e sem nexo, como as que compõem as resenhas? O que a Emissora não concebe é que uma entidade pública – uma escola de um dos bairros modestos da Capital, como a chama – venha solicitar a proteção do Ministério Público para fazer cessar as agressões a seus alunos e a toda sua comunidade, e determinar as reparações cabíveis. A falta de cuidado e de compromisso adotada pela Emissora no caso faz denotar claramente que julgava tratar-se de gente incapaz de um esforço de reparação. A Emissora em nenhum momento cita de forma desabonadora um político, um secretário, um membro de governo – uma pessoa, enfim, com poder. A reportagem busca crianças – e ainda mais: dos Bairros mais modestos da Capital. Tivesse a Emissora o interesse – e a coragem – de fazer reportagens sobre o ensino privado e, caso entrevistasse algum de seus alunos, haveria de cercar-se de todo o cuidado, de todo o esmero. O que a Emissora não admite é que pode haver defesa de interesse que não seja privado: que a comunidade de uma entidade pública pode – e se tem compromisso deve – exigir ser tratada, e trabalhar para que seus membros sejam tratados, com dignidade. O fato de a Emissora afirmar que não houve discriminação quanto à escola reclamante não a exime da obrigação de tratar a EMEF Desembargador Amorim Lima, bem como todas as outras, com seriedade e respeito. É um escárnio afirmar que “In casu, ocorreu a citação ocasional da escola, ora reclamante”. A produção foi alertada na quarta-feira da semana da veiculação, mas a vinheta prosseguiu sendo divulgada até o domingo. A questão, séria, importantíssima, que está em jogo é: a comunidade de uma escola pública tem o direito de orgulhar-se dela, de defendê-la, de entendê-la digna? Por que uma mãe que leva seu filho a uma escola pública – ou por tê-la escolhido ou por ser a única que lhe pode oferecer – e que se esforça por melhorá-la, tem que aceitar que seu filho ouça na Rádio Panamericana que “está sendo condenado a esse tipo de educação”? Se, como admite textualmente a Emissora, a escola não foi objeto de uma pesquisa jornalística de grande fôlego, com que direito veicula matéria que a cita? O direito à seriedade de modos e métodos devem ser reservados a uma certa classe, a uma certa clientela?

Aqueles que nos esforçamos por construir uma escola pública de qualidade sabemos que esse esforço deve contemplar duas vertentes: a melhoria da escola propriamente dita, e a melhoria da representação que a sociedade, os alunos, os pais, têm dela. O aluno que se dirige à escola convencido de dirigir-se à cloaca do mundo está prejudicado, estabelece um vínculo negativo com o aprendizado e com a escola e, naturalmente, tem mais dificuldades para aprender. Não se trata de esconder os problemas que a escola tenha e tem – os alunos, os pais, sabemos naturalmente bastante bem dos problemas e das dificuldades, pois que os vivemos – trata-se de criar a capacidade de reconhecer e utilizar os recursos que se tem, e de se criar a consciência de que as dificuldades são superáveis. A Rádio Panamericana por acaso julga que as vinhetas servem de informação sobre a qualidade de ensino para nós que justamente freqüentamos a escola pública? Não há cabimento nessa suposição. Quem freqüenta a escola a conhece, sabe de seus problemas e de suas dificuldades. Às autoridades, então, as vinhetas seriam dedicadas? Bem menos, hipótese absurda – as autoridades que não sabem do estado da Educação não o saberão ouvindo a Rádio Jovem Pan, ou qualquer outra. A quem as vinhetas se destinam e a que servem, pode-se constatar lendo, por exemplo, Educação: Temas Polêmicos, do Prof. José Mário Pires Azanha, entre tantos outros. As vinhetas da Rádio Panamericana são mais algumas pérolas que vêm inserir-se no longo colar de um movimento que começa no Brasil nas décadas de 1960 e 1970 e que perdura até hoje como resistência ao esforço de universalização do ensino – ou seja, como crítica à expansão do ensino público à totalidade da população brasileira. O movimento – bastante consciente para uns, menos consciente para outros – é o de desqualificação e desmantelamento do ensino público . As vinhetas, sejamos francos, se não são informação, não são investigação, não são análise, então chamêmo-las pelo nome: são propaganda. A ligeireza, a ausência de análise e de dados mensuráveis, a inexatidão de termos, a que se empenham é a reforçar uma sensação, uma doxa, um consenso, (assim como o define o pensador Noam Chomsky): “A escola pública é ruim, a escola pública é ruim, na escola pública não se aprende, na escola pública não se aprende” – são frases repetidas como um mantra. Por que é ruim, no quê está ruim, como pode melhorar, não são, obviamente, preocupações da Rádio Panamericana S.A. O interesse público da rádio é repetir o mantra. É criar e difundir um consenso que, por não buscar causa ou motivo, por não distinguir nuance, por não responsabilizar ninguém em especial, tenta equiparar o estado da Educação Pública a um ato da Natureza. O consenso cria fatos – que, por sua própria essência, são incontestáveis. A Escola Pública é ruim, chove, amanhece, a semana tem sete dias – são “fatos” da mesma ordem, da mesma natureza. Depois, criado o consenso, incitar à indignação contra algum desses fatos pode render audiência ou outros dividendos, mas não fará chover, assim como não melhorará em nada a Educação Pública da cidade ou do país.

Não obstante tudo o quanto até aqui apresentado, não se pode perder de vista o real objeto desta Representação, que visa única e exclusivamente a preservação de direitos fundamentais e indisponíveis dos alunos da EMEF Desembargador Amorim Lima. Isso porque, não se pode permitir que, a título de informar ou apontar possíveis deficiências dos sistemas educacionais, sejam estigmatizadas as crianças e adolescentes que de forma maliciosa ou desleixada foram indevidamente identificadas nas reportagens, ou que sejam indiretamente identificáveis pelas informações nelas reproduzidas. Não há como permitir que se condenem as crianças identificáveis nas vinhetas à baixa auto-estima e ao conformismo que insistem em lhes impingir. Aliás, mesmo que não houvesse sido identificada nenhuma das crianças abordadas pela reportagem, ainda assim não se poderia permitir que toda a coletividade dos alunos matriculados nas escolas públicas de São Paulo sofram pecha ou rotulação negativa de qualquer espécie, nem mesmo sejam expostos ao ridículo e ao escárnio. Ora, o próprio Ministério da Educação propugna, nos seus Parâmetros Curriculares Nacionais, como um dos objetivos a se esperar dos alunos no ensino fundamental: “compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito”. Como, então, permitir que os esforços que todos nós empreendemos pela construção da cidadania sejam solapados pela veiculação de matéria jornalística leviana e irresponsável?

Assim, firme na convicção de que não é justa, razoável ou constitucional a agressão a direitos indisponíveis de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas de São Paulo, especialmente os da EMEF Desembargador Amorim Lima, é que o Conselho de Escola reafirma sua confiança de que esse Órgão Ministerial possa coibir a prática das irregularidades constatadas e estabelecer a reparação dos direitos lesados, determinando:

• Que a Rádio Panamericana S.A. admita (como aliás sua advogada já o fez) – na mesma freqüência e nos mesmos horários das veiculações em que estivemos envolvidos – que, ao permitir que a EMEF Desembargador Amorim Lima fosse citada em vinhetas que a Emissora levou ao ar de 9 a 16 de abril do corrente ano, o fez sem ter avaliado detidamente o trabalho da escola.
• Que, na mesma veiculação, a Rádio Jovem Pan admita que as vinhetas eram observações genéricas, e que não teve a pretensão, nem tem competência técnica, para avaliar o desempenho de alunos, nem bem menos de instituições de ensino. Que as matérias foram feitas sem critério estatístico e sem cuidados metodológicos, e não servem de elemento para se avaliar nem as crianças e instituições citadas, nem os Sistemas Públicos de ensino em São Paulo.
• Finalmente, entendemos que seria desejável que a Emissora fizesse um pedido formal de desculpas às crianças que se expuseram nas vinhetas.

É o quanto tínhamos a ponderar.

Reiterando nossos protestos de estima e respeito, subscrevêmo-nos,

Atenciosamente

 
Luis Braga
Presidente do Conselho de Escola da
EMEF Desembargador Amorim Lima
Redação aprovada em Reunião Ordinária do CE de 01/08/2007

Sobre o tema, leia o excelente Escola Pública e Imprensa Neoliberal, de Loraci Hofmann Tonus, HD Livros Editora, Curitiba, 2001.


A nau dos insensatos

  De autoria de Luis Braga, o texto/depoimento A nau dos insensatos foi originalmente publicado nos Cadernos Cenpec n. 2 – Educação Integral, 2006.

A nau dos insensatos

Luis Braga

(Texto/depoimento publicado originalmente no Cadernos Cenpec n. 2 – Educação Integral)

Em dezembro de 2005, depois de dois anos viajando como clandestinos, matriculamos nosso filho na Escola. . Não que estivéssemos, nesses dois anos, escondidos no porão. Não. A nau é de insensatos generosos. Viajamos no convés, junto com todos, a brisa e um ou outro tempo ruim. O relato que se vai ler, então, tem esse caráter de quase clandestinidade também: no mesmo barco, mas por ali, sem função específica nenhuma, sem responsabilidade (quase) nenhuma.
Portanto é bom, desde aqui, deixar claro o que não se deve esperar deste pequeno relato: objetividade; análise crítica; isenção; imparcialidade. Um relato pessoal, somente.

Mas existe outra forma de se falar de uma experiência fundante?

Conheci um lugar

A primeira vez que entrei na Escola foi em abril de 2004. Ana Elisa Siqueira
caminhou comigo pelo pátio, pelas salas, foi me mostrando as paredes que já tinha derrubado. Claro que, de cara, simpatizei: no meio de tanta arrogância teorizada, de tanta hegemonia do pedagogês, não é brinquedo encontrar, assim, sem mais nem menos, uma adepta do demolicionismo. Então Ana Elisa me contou do tempo ainda em que derrubava grades, assim: “a escola precisa ser bonita, precisa ser aberta, precisa mostrar que confia”.

Fui pra casa contagiado, feliz da vida: daqui não saio, daqui ninguém me tira. Puxa, eu pensava, como são raros hoje os lugares que nos infundem leveza, essa sensação assim de êxtase jubiloso… Em casa, os meninos se espantavam: como assim, uma escola totalmente sem paredes? Nem telhado tem? Não, vejam bem, derrubaram as paredes de algumas salas, que se juntaram, cresceram, claro que tem telhado, e algumas paredes também…O mais novo (na época), cinco anos (na época), entre duas garfadas e desde o alto de sua simplicidade: mas isso não tem nada de mais, é assim mesmo que toda escola deveria ser, é assim mesmo que a minha escola é .

E eu pensava, mas não dizia (repare-se que estamos jantando, e eu temia fazê-lo engasgar com um tamanho excesso de realidade): tudo bem, meu chapinha, mas logo logo você vai ver o moedor de carne em que vai ser gentilmente inserido. Aos amigos doutos, eu punha uma pitadinha de erudição: aquilo é um platô, verdadeiro território desejante, essa Ana Elisa é a esquizoanalista dos sonhos de qualquer Deleuze e Guattari (mesmo que a dupla nem sonhasse), a paranóia ali é zero, uma profunda esquizoidice produtiva. E saravá. Fosse como fosse, era só uma justificativa, que a decisão já me tinha tomado: preparei minha trouxinha e fui pôr meu desejo ao abrigo daquele povo. O homem é um ser de necessidades que só se satisfazem socialmente, dizia Enrique Pichón-Rivière?.

Isso vem e não é de hoje

Você vê um barco assim, vento em popa, velas estufadas e, se já fez algum esforço em fazer andar um projeto, percebe que o trabalho não é de ontem, e que a coisa vem de longe. Se a Escola está em pé, mesmo depois de lhe tirarem as paredes, é porque tem alguma outra coisa sustentando. Você decida, mas eu sou de um tempo em que se acreditava em sustentações simbólicas. O esforço, hoje, de retomar o espaço público para o uso popular e público (Paulo Freire) exige caminhar no terreno frágil da utopia: de um lado, o ensino privado, bastante eficaz no ensinamento da realidade que vivemos, mas tristemente sucumbido a ela – em que falar de cidadania virou moda e é, portanto, tema de atenção numa aula por semana; de outro, o espaço público como espaço da degradação e do abandono consentidos (pela sociedade toda) – se o povo tem medo de sair à rua, a rua deixou de ser espaço público.

Na Escola (antes que saiam por aí derrubando paredes), uma pequena história de dez anos de retomada:

a. Tirar as grades do pátio, primeiro. Uma corzinha nas paredes (a estética como índice civilizatório); um mural de azulejos pintados (pelos alunos); flores. Na medida do possível, a Escola se quer bonita. A professora Adelina e os Vigilantes da Natureza.

b. Cultura Brasileira. Conceição Accioly (foi fazer ciranda no céu – vai virar nome da nova sala de artes: presença que engendrou tanta boa mudança e lembrança que sustenta). Graça e o pessoal do Querosene. Mestre Alcides e o pessoal da capoeira. Lydia Hortélio.

c. Envolvimento da Comunidade. Grupo de Teatro de Bonecos de Mães. Voluntariado. Abertura da Escola para atividades extraclasse. Sem o apoio das mães, pais, comunidade, a escola não se transforma. O Conselho de Escola como centro primordial do exercício da democracia e da participação.

d. Oficinas. Teatro. Circo. Dança. Artes Plásticas. Rádio. Horta. Capoeira. Cinema.

e. Interlocuções: convidar gente pensante, de fora, para vir açodar o acomodamento. Instituto Veredas. Instituto Pichón-Rivière?. Yanina Stasevskas. Lenina Pomeranz. Ana Guerra. Rosely Sayão.

f. Festas. A Escola como palco de celebração. Festa Junina. Festa da Cultura Brasileira. Festa do Auto de Natal. Festa. A alegria compartilhada como índice civilizatório. O saber não é cinza.

g. Busca de apoios. Institucionais; individuais; estatal. Parcerias. Projeto Crer para Ver (por dois anos). Instituto Camargo Correia (por um ano). Contribuição sem ingerência – para isso existe o Conselho de Escola, para isso existe o Conselho Pedagógico: zelar pelas diretrizes, defender as linhas, entrincheirar cada palmo de terreno conquistado .

Era muito, mas era pouco. O diabo é que essa gente, quando se põe a desejar, desencontra qualquer limite…

O Projeto

Ou seja: já naquele passado (a escola ainda tinha suas paredes todas) estava bem inscrito o nosso futuro de hoje.

Num passado mais recente: em 2003, foi apresentado à Secretaria Municipal de Educação um projeto de assessoria externa. Reformulando profundamente o funcionamento da Escola, o Projeto (aprovado pela SME Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e sendo implementado desde o começo de 2004) tem como objetivos :

• proporcionar a formação global de todos os envolvidos;
• construir a autonomia moral e intelectual dos estudantes;
• garantir direitos: educação de qualidade, com período completo de aulas;
• incentivar o compromisso com o conhecimento;
• estimular e orientar o trabalho em grupo;
• promover a convivência com responsabilidade;
• assegurar o respeito aos tempos e processos individuais

Ou seja: uns bons hectares de terreno frágil da utopia. Escandindo:

a. A utopia da construção da autonomia. A rima é pobre, mas o conceito é rico. A história é mais ou menos a seguinte, meu rapaz: você, pequeno aluno da Escola, tem ao entrar um bom punhado de roteiros te esperando (eles são hoje 115). Encare-os como preciosos mapas, elaborados por um pesquisador ao mesmo tempo sonhador e criterioso . À diferença dos mapas dos piratas em que no final você encontra um tesouro, nestes, a aventura não tem fim e você, em toda a parte, encontra tesouros cintilantes.

Nós estamos falando, meu filho, do Universo da Cultura do Homem, um universo fantástico de descobertas, aventuras, heroísmo e covardia, acertos e erros, alegria e dor. Esse universo nem sempre é bonito (você é tão jovem mas já percebe isso, bem sei), mas sempre merece o esforço de se tentar compreendê-lo. O mapa não é a aventura, assim como o roteiro não é a viagem. É tão somente um guia, uma pequena mostra das ilhas e praias que você poderá conhecer e algumas sugestões de bons caminhos que você pode trilhar para chegar até elas.

Nosso esforço (da Escola), vai ser todo no sentido de você não se ater somente ao guia, como o turista preguiçoso que somente olha e fotografa fachadas. Não. O convite é para você percorrer o caminho com calma, urgente sem pressa, como João Guimarães Rosa dizia de Deus (você vai poder conhecer Guimarães Rosa, meu rapaz, Manuelzão e Miguelim, Riobaldo Tatarana – há roteiros que te levarão às veredas e aos sertões todos das Gerais, tenha calma). Vai haver tempo para você parar e conhecer as pessoas: aprender sua música, sua dança, sua comida. Nestes oito, nove anos fundamentais, você vai conhecer um pouco do povo que habitava ancestralmente estas terras , e dos povos que a vieram depois habitar.

Como nem tudo são flores, você, muitas vezes, vai ter de atravessar desertos, vai se lanhar em muito espinho agudo e seco. Aprender requer também muito esforço, mas é muito bom ver como esse esforço deixa vocês bem felizes (você diz muito orgulhoso que já estava mesmo meio cansado da escola só de brincar). Outro dia perguntei para o Matheus, teu amigo da 1a. série, do que ele mais gostava e do que ele menos gostava na Escola. Sabe o que ele me respondeu? – O que eu mais gosto é de aprender e fazer lição, com essas palavras, eu juro. O que ele menos gosta, sabe o que respondeu? De quando você, meu chapinha, briga no recreio com o Ian – o outro grande amigo dele (precisamos ter uma boa conversa). Ou seja, bom amigo esse que você tem, muito esperto: com sete anos, colocar o conhecimento e a amizade como as coisas importantes da vida, não é mole não – se não atrapalharem muito, o rapazinho vai longe.

Porque eu quero te dizer mais uma coisa: você vai notar que nós, adultos, somos dúbios, ambíguos, nós dizemos muito que queremos que você aprenda, mas agimos muito no sentido de mantê-lo ignorante e dependente (assim os espertos seremos sempre nós).

b. A utopia da inclusão. O nome não é bom, bem sei. Falar em inclusão já aventa um universo de exclusão que, ele sim, precisa ser erradicado. Mas o que se quer é só contar de um certo esforço consciente e que se pretende seja de toda a Escola: alargar os umbrais da convivência à largura de qualquer diferença. Claro que isso, sendo um direito, só é possível de acontecer na escola pública, tão infensas estão algumas privadas ao reconhecimento de certos direitos bastante elementares (e é por isso, acima de tudo, que a boa escola, a melhor escola há de continuar sendo, e voltar a ser, a escola pública). Quatro psicólogas auxiliam a Escola neste esforço.

c. A utopia da participação da comunidade. Há quem pense que a participação da comunidade (muitas vezes voluntária) é um produto dos liberalismos, um esforço que acaba por incorrer num pretexto de desobrigação do Estado. Dos vários modos de defesa do imobilismo esse é o mais canhestro: tem certo apelo ideológico, e é muitas vezes defendido por pessoas de bem. Nós vivemos uma guerra – é bom que percebamos de uma vez. Já bem o disse o professor Paulo Freire: talvez até possa acontecer que uma mudança da escola não implique numa transformação social – nenhuma transformação social é no entanto possível se não passar por uma transformação da escola. A Escola é nossa trincheira, e como diz Paulo Leminski: “En la lucha de classes, todas las armas son buenas: piedras, noches, poemas”.

Porque o descaso com a educação não é questão só de Estado, esse ou aquele governo – um milhão de alunos do ensino municipal de São Paulo sem aula é notícia de quarta página do caderno local dos principais jornais. De tão banal e evidente, a verdade dá vergonha de ser dita: a sociedade (não só a constituída enquanto Estado), não quer, não tem o menor interesse em termos uma escola pública de qualidade.

Não entra no rol das preocupações das pessoas que têm seus filhos nas escolas privadas que a escola pública seja ruim – isso é da Natureza, isso está posto como o dia que nasce e se põe. A escola pública é ruim é verdade tão aceita e incontestada como: anoitece. A preocupação crescerá, aí sim, à medida que tivermos uma escola pública de qualidade. O verdadeiro ato revolucionário no Brasil de hoje é termos um ensino público, popular, universal, de qualidade – e isso não se consegue flanando nas teorias, nem nas ideologias.

Tente não pensar a Escola como uma ilha, mas como uma trincheira – abaixe a cabeça e proteja-se, e tente, por favor, não acertar tiro no próprio pé (inimigos não nos faltam). Hoje, vários projetos, já implementados ou em fase de implementação, são coordenados total ou parcialmente por pais ou voluntários:

• jornal, coordenado por pai de aluno;
• portal, coordenado por grupo formado por pais, funcionários, empresa parceira;
• Estação Butantã – vasto projeto estudando a história, geografia, ocupação e urbanismo do Bairro do Butantã, coordenado por pais e moradora do bairro;
• Meus pais leram para mim – projeto de empréstimo de acervo e incentivo a pais lerem para seus filhos, coordenado por professora e mãe;
• Grupo de preparação das Assembléias de Alunos, coordenado por pai e mãe;
• Grupo de Cinema, coordenado por educadora voluntária;
• educadora Thereza Pagani, a Therezita, uma vez por semana na Escola;
• professor José Pacheco – membro do Conselho Pedagógico da Escola;
• professora Lenina Pomeranz – auxiliando na formatação de projetos e na ONG;
• forno caipira construído por pais e funcionários (aos sábados e domingos).

d. A utopia da construção da cidadania através da prática democrática. Em primeiro lugar, é preciso destacar o Conselho de Escola. De formação paritária – sete representantes dos professores; sete, dos pais; sete, dos funcionários; e sete, dos alunos – é o palco preferencial da construção democrática. É vital por vários motivos:

• Ensina-nos a todos – professores, pais, funcionários e alunos – a vivência democrática: a necessidade de defender lógica e coerentemente nossos pontos de vista; a necessidade de construir consensos que permitam avançar em meio às divergências.

• Ensina-nos a pensar na e a escola que queremos. Aproxima o horizonte do desejo a uma distância tangível, e nos faz sentir agentes de transformação, e não meros objetos de políticas e ações que nos são transcendentes. Por outro lado, depara-nos com os limites sempre presentes (em nós mesmos e na realidade), exorta-nos o esforço de superá-los e, finalmente, desarticula o discurso fácil de culpabilizar somente entes externos (mesmo que também culpados).

• Principalmente: obriga a nos defrontarmos. Criados que somos no discurso da complacência, da polidez e da subalternidade, desacostumamos de nos dizer verdades. O Conselho de Escola pode, e deve, se tornar então o instrumento de encarnação e materialização do discurso: por favor, diga-me verdades inscritas em sua própria carne; por favor, ao falar-me, olhe-me nos olhos; por favor, não me venha com o discurso da autoridade do saber (estudei e portanto sei), da autoridade do poder (aqui mando eu), da autoridade do privilégio travestido em direito (falto porque a lei me permite). Por favor. A escola, como tantos outros lugares, desencontrou e desconstruiu a possibilidade de diálogo (uma conversa entre iguais): o professor principalmente (enquanto categoria) cerrou fileiras na defesa de seus direitos e somente consegue articular (enquanto categoria) o discurso do corporativismo .

Além disso, não é só o direito a faltar que faz com que o professor que lecione nas redes pública e privada falte naquela e não falte nesta, mas um preconceito: a convicção de que ao aluno da rede pública está de bastante bom tamanho o pouco que se lhe dê (pois se é dado…). Não há diálogo: o professor, identificado não se sabe exatamente com o quê, trata a clientela da escola pública com a empáfia e o descaso com que as elites tratam as classes subalternas: estão convictas de que não lhes devem explicações.

Aos pais cabe-nos então o aprendizado (também longo e custoso, porque também nós somos vítimas de preconceito) de que a escola de qualidade é um direito não nosso, mas principalmente dos nossos filhos – é então um dever nosso lutarmos por um ensino de qualidade, e exigirmos dos professores compromisso e seriedade .

Cabe, pois, ao Conselho de Escola, ser o palco da requalificação do diálogo, da construção de um discurso forte de cobrança mútua, constante e implacável – cobrança da ação encarnada, da prática comprometida – e de repúdio aos discursos e práticas escamoteadoras, enganatórias, sabotadoras. Cabe ao CE ser o palco de uma tarefa hercúlea, importantíssima, sem a qual malogrará qualquer política que vise melhorar o ensino público: construir pontes sobre o imenso desvão que se formou entre os pais e os agentes de educação, cuja relação se foi tornando hostil e agressiva, de ambos os lados.

As grandes transformações da Escola foram muitíssimo discutidas no Conselho de Escola, e consolidadas na aprovação do Projeto Político Pedagógico , e do Regulamento Interno – que cria novos e importantes instrumentos de gestão democrática, e dos quais cabe destacar:

1. O Conselho Pedagógico. Formado pela diretora da EMEF, pelos dois coordenadores pedagógicos regimentais, por três professores escolhidos por seus pares, dois educadores convidados e por um representante dos arte-educadores, e tendo a participação de duas mães na condição de ouvintes. O Conselho Pedagógico é o responsável pela criação e implementação dos dispositivos e práticas pedagógicos, no sentido da melhor implementação do Projeto. Favorece enormemente que cada segmento venha a ter uma visão mais global e abrangente da Escola, e que se implique, e a seus pares, com o Projeto de forma integral;

2. O Conselho de Gestão Financeira. O coletivo da EMEF aprender a gerir e administrar seus recursos de forma democrática e transparente não é tarefa desimportante. O problema do ensino também é um problema de gestão – financeira, inclusive. O aprendizado e a experiência darão confiança na luta por uma crescente autonomia.

e. A utopia do conhecimento solidário. Você já se senta em grupos de cinco alunos, ainda na sala pequena e ainda com uma única professora, a Cleide (você é um cara de sorte), e uma estagiária – afora, é claro, as oficinas que você faz em outros espaços. Logo que você estiver lendo mais fluentemente, entendendo melhor como funciona a barafunda toda, vai para o salão grande trabalhar com os tais roteiros (isso é logo, não se preocupe, você cresce bem mais rapidamente do que imagina…).

O grupo, você já sabe para que serve – a Cleide deve falar bastante disso, eu acho – pois outro dia você me falou que ia pedir para o Caio, que já sabe, te ensinar letra cursiva. Você diz que vai ensinar matemática para ele – em matemática eu sou muito bom, você falou. Então, é bem isso, eu penso que o começo de quase tudo está aí: uma auto-avaliação espantosamente consciente (isso eu sei, isso eu não sei), e uma crença no poder da solidariedade (isso eu sei e posso ensinar; isso eu não sei e preciso encontrar quem me ensine).

Mas o conhecimento solidário não é só isso. Há também o que alguns meninos, que estudam e estudaram em outras escolas, estão vindo fazer, o que alguns pais e outros adultos, estão vindo fazer.

E há, ainda, o que o Geraldo Souza chama de Educador Público – a mais importante, e utópica, de nossas utopias:

f. A utopia do advento do Educador Público.
O método de pesquisa em grupos nos salões, que a Escola utiliza, é uma prática que não garante, por si, nenhuma melhora do ensino – evidentemente. Poderão alguns argumentar que o método é, na escola, o que menos importa – e estarão, sem dúvida, cobertos de razão. Há bons, excelentes professores, com métodos que se poderia chamar antiquados, assim como é comum travestir-se o descompromisso e o desinteresse com roupagens ditas modernas – o trabalho em grupo e o incentivo à pesquisa sendo algumas delas. Se isso é verdade, também é bastante verdade que, na Escola, o método não é aleatório, nem bem menos fruto de uma qualquer inconseqüência, sendo fundamental no processo de construção da escola que queremos.

O método de trabalho na Escola favorece o advento do Educador Público das seguintes maneiras:
• O professor, hoje, por mais capaz que possa ser, viu sua função distanciar-se a tal ponto do papel de Educador, que já quase não o vislumbra. E isso por vários motivos:

1. em primeiro lugar, pelo advento das especializações psicopedagógicas: não é mais função do professor orientar (há um orientador para isso), falar de questões relativas à subjetividade (há um psicólogo para isso), ou falar de uma dificuldade qualquer frente ao aprendizado (há a psicopedagoga para isso);

2. em segundo lugar, a própria forma como a escola se organiza obriga o professor a se ater, e se preocupar, com uma turma, uma aula, uma matéria. Está o professor dando sua aula e pouco se lhe dá se a classe vizinha vagueia no pátio pela falta de um seu colega: isso não lhe diz respeito, absolutamente. O convite que a escola faz ao professor não é para olhar o aluno, para se preocupar com ele, mas para ater-se a um conteúdo e a um compromisso específicos – a escola de hoje é um espelho despedaçado em que o professor, por melhor que seja sua boa vontade, não se pode enxergar, pois não enxerga o aluno em sua totalidade. O professor é hoje um fragmento, e um fragmento nunca vai ser um Educador;

3. o professor trabalha sozinho entre díspares, dentro de sua sala, e essa é uma função (no sentido teatral mesmo do termo) pobre: os palhaços, que são sábios, só muito raramente atuam sozinhos. A solidão amesquinha a alma mais nobre – perde-se em elã o que se ganha em soberba;

4. então, o professor vai se agarrar à sua moldura e exigir respeito – porque sabe mais, porque pode mais – mas terá com esse fragmento de aluno um diálogo impossível: o aluno que ontem vagava sem aula pelo pátio sabe que esse professor viu e nada fez; o aluno, que está sem aula de outra disciplina, vê que esse professor nada faz: o aluno, que não é bobo (e ainda não aprendeu a ser cínico), sabe que o professor se preocupa com o silêncio da sua aula, com a disciplina na sua aula – o professor não se preocupa com ele – então, por que respeitá-lo?

• A diretora, os orientadores pedagógicos, os auxiliares de período, os agentes escolares, têm na Escola o estatuto de educadores. Isso significa um reconhecimento formal, mas isso significa também a imersão em práticas de ensinança mesmo – tutoria inclusive. Muitos estranhamos essa posição: tanto mais quanto mais nos prendemos às formalidades. Um agente escolar tem formação para dar oficina de matemática? Um agente escolar que conhece as quatro operações, teria? Um que pesquise, ouse aprender, experimente? Essa é a dádiva do processo: você conhece pessoas – que sempre são mais (e às vezes menos) que suas supostas qualificações.

• Os pais e mães, zelosos que somos, aprendemos a amar nossos filhos, mas temos naturalmente nossas dificuldades em amar a criança, em sua totalidade. Daí a importância do grupo, e do coletivo da Escola: há pessoas, nele, com grande sentimento do mundo, com as quais aprender. Cada um tem suas dificuldades específicas, seus pontos cegos, que outros haverão de poder iluminar. O pai ou a mãe, tendo adentrado o espaço da escola, precisa aprender a se tornar Educador, e não de seu filho somente. A amizade e o respeito aos nossos grandes amigos só se materializa quando temos liberdade para dar, em seus filhos, a bronca que daríamos no nosso; para dar a seus filhos o incentivo e o reconhecimento que daríamos ao nosso. Isso um dia na escola – e isso um dia fora da escola também.

• O aluno, à medida que se torna agente, à medida que se apossa da Escola como sua, torna-se, também ele, Educador. O aluno cada vez mais aprenderá que a cidadania é a exigência de respeito: para com sua história, para com seu corpo, para com os seus direitos – a escola entre os mais preciosos. O aluno cada vez mais saberá dizer ao outro aluno: não estrague a minha escola; cada vez mais saberá nos dizer aos adultos: respeite a minha escola.

E, por que não?, um tutor.

E aqui caberia destacar o espaço da tutoria como um dos instrumentos fundamentais para o advento do Educador Público integral, e do aluno integral – adventos simultâneos e inseparáveis, pois que não se vai nunca atingir a integralidade na formação do aluno, não tendo atingido também a do educador. Atendo-se semanalmente, durante todo um período, a um pequeno grupo de alunos (quinze no máximo), o educador pode acurar sua escuta, aprofundar seu olhar, reenquadrar sua conduta.

O tutor – como na botânica, em que o tutor apóia e esteia o novo broto e o novo ramo – vai semanalmente verificar o trabalho realizado, propor reparos e aprofundamentos, sugerir os novos passos para a semana que se vai começar. Vão poder estabelecer, tutor e aluno, uma relação que ultrapasse o mero verniz das conveniências e das aparências.

Em suma: se a metodologia aplicada na Escola não é a garantia, é uma engenhosa e poderosa contribuição à construção da escola democrática e cidadã que almejamos. Se, como bem sabemos, a distância até ela é ainda bastante longa (…tanto mar, quanto mar…), pois que demos somente umas poucas braçadas, cada vez vai-nos ficando mais claro o para onde remar – o que, retomando a alegoria do título, faz da Escola uma nave bastante distinta da stultifera nave medieval, que vagava sem rumo, perdida nos mares.

Visita do Prof. Bernd Fichtner

No dia 12 de novembro de 2007 tivemos a satisfação de receber na escola o Prof. Bernd Fichtner, da Universidade de Siegen, Alemanha. Especialista em Vygotskij, o Prof. Bernd ofereceu aos educadores e pais um diálogo cheio de conteúdo e encantamento. Havia trazido sua palestra escrita, mas acabou optando, na noite, por uma fala pessoal, que entremeou histórias vividas ao lado do avô com temas e conceitos da educação das crianças – além de uma aguda análise da educação na Alemanha de hoje.
Generosamente concordou em abrir o acesso ao texto que seria sua fala da noite.

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Aprender e ensinar como dialogo com o futuro

Bernd Fichtner

Gostaria apresentar brevemente três exemplos de uma pratica pedagógica e um conceito teórico.

1. Escola e Violência

No ano passado nos foram enfrentados numa primeira seria de uma escola de minha cidade com este problema:
um aluno sem pai e com uma mãe que trabalha vivendo em um bairro extremamente violento deve aprender a defender-se, porém chegado na escola ele é obrigado a aprender que a violência e uma falta grave. Para tanto a escola assume com todo o rigor seu papel pedagógico, chamando a mãe, advertindo à criança de mil formas possíveis. A criança nesse caso sente que por um lado a escola é mentirosa, pois ela sabe na sua prática que se no se defende da violência dos outros ela corre sérios riscos, por outro lado a valorização social da escola faz com que sua mãe aceite ao principio da nao-violencia deixando seu filho a mercê da violência do bairro, e ao mesmo tempo mudando o seu orgulho perante seu filho forte por uma certa vergonha por seu filho violento. O aluno neste duplo-vinculo tem como alternativas
a): a hipocrisia, na escola ele não é violento, porém na rua continua sendo violento, sem dizer nada nem a sua mãe, nem aos professores da escola,
b) o aluno aceita a ideologia da não violência e passa a ser um mártir do bairro
c) a criança fica esquizofrênica.
Este pequeno exemplo nos mostra que na verdade o tema violência dentro da escola tem uma perversão. É também uma violência fazer com que uma criança abandone uma linguagem de sobrevivência. É para mim o mesmo caso de fazer que uma criança aprenda a que ter fome é uma vergonha.

2. O ladrão da primeira série

Esta anedota me foi narrada exatamente assim por uma professora alemã das séries iniciais de uma escola pública.
“Uma dia um lápis e um apontador se extraviaram e exigi que as crianças os procurassem. Todas as crianças procuraram. Eles engatinhavam no chão, olhavam nas mochilas e gavetas. De repente descobri que Geraldinho tinha escondido o lápis e o apontador no bolso traseiro de seu jeans.
O que deveria fazer um professor quando descobre um ladrão em sala de aula?
Eu nem julguei seu comportamento, mas mandei parar com a procura.
E disse: “Eu já sei onde estão as coisas”. Geraldinho agarrou rapidamente o bolso com os objetos. “Não, não… não é verdade… ninguém sabe onde estão as coisas.”
“Eu sei”, disse eu, “e você também”.
Geraldinho não disse nenhuma palavra, colocou os objetos na minha mão e andou furtivamente para o seu lugar.
Eu me senti de repente muito mal. Geraldinho tinha desmascarado a minha própria indiferença, ele me envergonhou profundamente, com a sua resignação para entregar os objetos.
Geraldinho não tinha nada. Ele foi deixado num orfanato porque sua mãe não podia sustentá-lo. A sua roupa usada era ou muito grande ou muito pequena, mas nunca limpa, raramente inteira. No verão ele usava botas. Eu via seu rosto pálido, seu olhos profundos e tristes. Eu sabia que ele raramente tinha algo com que escrever. Seu estojo estava sempre vazio. Eu sabia que ele tinha que mendigar para que lhe dessem coisas, e que raramente alguém lhe dava.
O que eu deveria fazer neste momento? Então mostrei às crianças o estojo vazio de Geraldinho sem palavras.
“Geraldinho não tem nada”, disseram as crianças em voz baixa e surpresas.
Lentamente algumas da turma foram levantando-se e colocavam no estojo algumas das coisas que ele precisava.
Geraldinho as olhava enquanto seu rosto ficava encandecido. “Se vocês me dão algo então vou ter algo” disse ele.
O estojo vazio tinha obrigado as crianças. Graças a isto elas tinham entendido algo sobre este acontecimento.
Geraldinho não era o ladrão da turma, mas sim o orfanato que não tinha nada. Nós não somos anjinhos, mas sim possuidores em relação a Geraldinho.
Esta experiência, onde puderam compreender-se relações, criou uma nova consciência para cada um e constituiu assim uma nova realidade.”

3. Quatro anos dar aulas sem ensinar – o Projeto do Professor Falko Peschel

Um projeto concreto de 4 anos que consistiu na práxis numa escola elementar, onde um professor deixou nas mãos dos alunos da primeira a quarta serie a organização do processo de ensino-aprendizagem.

Neste projeto não existiam livros didáticos, nem currículo, nem material didático, nem jogos pedagógicos, etc. etc. etc.

Existiam só folhas em branco que as crianças deveriam preencher com suas idéias, seus conceitos, suas necessidades e seus desejos. Claro que existiam auxiliares neste processo mais eram os instrumentos mais simples, o básico: listas de letras, de números, de posições para sistema numérico, etc.

Eram 32 alunos que começaram com seis ou sete anos uma primeira serie muito diferente das outras, eles deveriam organizar seu dia de escola: conteúdos, organização, disciplina, horário e sobre tudo relações com o conhecimento. As diferenças existentes entre as crianças, respeitadas e aceitas, foram as bases para esta forma de auto-organização e auto-regulação. A abertura foi o principio fundamental de este aprendizagem onde todos os alunos aprenderam a ler e escrever, foi um processo de aprender e ensinar ao mesmo tempo entre eles. Quando os alunos queriam aprender elas mesmos só ocuparam esclarecendo o conteúdo organizar os materiais necessários.

Eles se aprenderam a escrever e através do escrever aprenderam a ler. A ortografia não foi aprendida por leis gramaticais ou exercícios repetitivos e cansativos, mas pela prática de escrever e ler e olhar. Ao final de 4 anos o professor pediu uma avaliação externa, muito rígida e severa de acordo com os padrões da educação formal na Alemanha e o resultado de todas as crianças com respeito a capacidade de escrever, compreensão de texto, ciências naturais e exatas foi 30 por cento melhor do que a media nacional e o mais importante foi que todas as crianças entraram na segunda etapa do ensino médio com uma bagagem de segurança e auto–estima não contabilizada na avaliação externa.

Muito mais surpreendente do que os resultados obtidos no currículo foram os resultados da integração social destas crianças, que em vez de apresentar padrões e regras comportamentais, cada minuto da convivência era determinada pelo direito de opinar e decidir e por um respeito verdadeiro pela decisão da maioria, sem demagogia.

Neste exemplo o que nos surpreendeu verdadeiramente foi a veracidade das relações existentes entre aluno e professor, este conjunto de indivíduos se debruçou num problema real, como aprender o que a sociedade manda sem ferir a originalidade, a univocidade, o tempo individual e a necessidade social de cada um de seus membros, sem usar essa pedagogia arrogante que se outorga o direito de definir o que é bom para o outro.

4 . Carlos Maldonado, Secretário da Educação de Cuiabá

nos informou, que povos indígenas no Estado de Mato Grosso cultivam uma representação bidimensional do tempo. O tempo aqui é constituído apenas de passado e futuro. O passado é o que está na frente e o futuro é o que está na gente.

Por que o passado na frente? O passado, o experimentado, o vivido, é a experiência, imagem ou sensação que já conhecemos, o único que podemos enxergar. É a vida já vivida que nos dá a visão da existência, das suas possibilidades, limites e fronteiras. É o acúmulo das vivências, processos, interações e trocas com os outros e com as coisas que nos possibilita a invenção da cultura, em sua dinâmica de destruição e criação permanentes, e a nossa identidade dentro dela.

O que é o futuro que está na gente? O futuro não está ao lado, nem atrás, nem na frente. Ele está na gente. O futuro guarda um compromisso em sua possibilidade e existência: criar mais passado. Significa dizer, renovar a tradição, superar o já andado. transformando tudo que está na frente (a arvore; o colher; o conhecimento) em algo do futuro, em algo que está dentro de mim, transformando–o num sentido pessoal.

Assim, o futuro impregna a ação com a necessidade de sentido pessoal. Como o futuro está em nós, podemos ou não realizá-lo, mas ele não depende do outro, senão para as utopias coletivizadas. Passamos a ser depositários dos nossos sonhos, senhores dos nossos desejos, responsáveis únicos pelo que somos e pelo que viermos a ser. Passamos a ser seres humanos.

Nos três exemplos apresentados de culturas completamente diferente a lógica da pedagogia vigente é questionada fundamentalmente. E aparece aqui uma outra lógica alem de uma perspectiva de métodos novos. Em todos os três exemplos se encontra o direito de aprender a ser um ser humano.
A ração lógica da Educação Publica tradicional está determinado e influenciado por a lógica do Estado e da sua sociedade. Se trata da lógica do poder, que o filosofo Espinosa descreveu na sua Ética como lógica do tirano e do escravo . Os homens livres encontram um base nos afetos e emoções de alegria e felicidade, que aumentam a capacidade de agir quer dizer de viver. Também encontramos em Espinoza uma negação muito forte de qualquer forma de um dualismo, seja o dualismo mente – corpo, individuo – sociedade, espírito – matéria.

E para concluir nos identificamos com duas frases de Agostinho Reis Monteiro
“Com que legitimidade podem as gerações mais velhas (a sociedade/ o Estado) pretender moldar as gerações mais novas á sua imagem semelhança?
Com que direito é que uns seres humanos fazem o que fazem a outros seres humanos, a titulo da educação? Com que direito educar? … O direito à educação tem o alcance de uma revolução coperniciana que pode ser resumida nestes termos metafóricos: a educação já não está centrada na terra dos adultos, nem no sol da infância, mas projetada no universo dos direitos do ser humano, onde não há maiores e menores, pais e filhos, professores e alunos, mas sujeitos iguais em dignidade e direitos. Sendo assim, a razão pedagógica já não é a razão biológica da Família, nem a razão política do Estado, mas a razão ética do educando, que limita tanto o arbítrio parental como a onipotência estatal.

A ética do direito de aprender é uma ética cujo valor especifico é o pleno desenvolvimento da personalidade humana como centro de gravidade de todo o desenvolvimento.
(2001, pp 3 e 4)

O conceito “zona de desenvolvimento proximal“ em Vygotskij

Vygotskij construí o famoso conceito de „zona de desenvolvimento proximal“ para esclarecer as relações entre ensino/aprendizagem e desenvolvimento . Vygotskij denomina a capacidade de realizar tarefas de forma independente como o nível de desenvolvimento real de uma criança. O nível de desenvolvimento potencial representa a sua capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. A distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível potencial Vygotskij o define como „a zona de desenvolvimento proximal“ (1984, 92).
Com esta concepção podemos medir não só o processo de desenvolvimento até o presente momento e os processos de maturação que já se aconteceram, mas também os processos que ainda estão ocorrendo, que só agora estão amadurecendo e desenvolvendo-se. A área de desenvolvimento potencial permite-nos ver o amanhã da criança, os seus futuros passos e a sua dinâmica de desenvolvimento:
.Em todas as versões desta concepção Vygotskij mostra uma orientação para algo que até agora não existia, com uma direção para o futuro que ostenta a sua dinâmica já na interação social, na colaboração com adultos ou companheiros mais capazes.
Mas para encontrar „zonas de desenvolvimento proximal“, deve-se fazer mais do que analisar a criança através de testes, se deve interagir, cooperar com eles, mostrar-lhe o pontos de referência certo, deve-se estabelecer relações múltiplas, que Vygotskij denomina como „ensino-aprendizagem“. Isto é exatamente oposto dos famosos métodos clínicos que Piaget brilhantemente domina. Piaget questiona a criança à base dos erros dela, Vygotskij questiona a criança a partir das respostas, que ele deu a ela.
Uma imagem poderia ilustrar isso: Nossas crianças aprendem a caminhar, porque nós, os adultos, caminham. Elas têm uma resposta literalmente à sua frente, que está acima de suas necessidades internas e externas. Nós adultos estamos interpretando estas necessidades internas ou/e externas da criança de aprender a caminhar como pergunta: „o quê devo fazer para caminhar“? ou „Me ajuda a caminhar?“ Cada criança transforma esta resposta, esta nossa ajuda na sua própria maneira de caminhar. Nós conhecemos também as conseqüências se esta resposta não existe ou não está disponível. Isso mostra dramaticamente o caso de um Kaspar Hauser ou da criança de Avyron.
Dar uma resposta, ser uma resposta, apresentar ou viver uma resposta para fazer possível o novo, algo que não existia, isto sempre é de fato uma coisa prática. As respostas, que nos pedagogos estamos dando às crianças e adolescentes, são para eles meios, com os quais eles construem as próprias perguntas. Esta perspectiva é exatamente oposta a uma interpretação dogmática da „zona de desenvolvimento proximal”, onde pedagogos e psicólogos pensam que podem determinar precisamente os conteúdos destas zonas. Aqui a perspectiva metodológica de Vygotskij é reduzida à uma receita que é simplesmente o ensino em grupos ou/e o trabalho em grupos na sala de aula.
A „zona de desenvolvimento proximal“ refere-se ao caminho que o indivíduo percorrerá para desenvolver novas funções. Assim a zona apresenta uma área em constante transformação, uma área de problemas, de insegurança, de perspectivas novas e, ao mesmo tempo, desconhecidas para o indivíduo. Entrar numa “zona de desenvolvimento proximal“ significa sempre entrar numa área não totalmente esclarecida nem conhecida. Conflitos, distúrbios, problemas, comportamentos problemáticos, falta de coordenações nas atividades atuais de um indivíduo, etc., podem ser compreendidos como sintomas importantes desta entrada.

A “zona do desenvolvimento proximal“ é um diálogo entre a criança e o seu futuro, nunca é um diálogo entre a criança e o passado de um adulto, de um professor ou de uma sociedade.

2º Seminário de Avaliação do Projeto

Veja a transcrição de algumas das falas de nosso 2o. Seminário de Avalição, 2006.

 

 

 

 

 


visita ao amorim

Fotos de Gustavo Lourenção

“E a beleza do lugar
Pra se entender
Tem que se achar
Que a vida não é só isso que se vê
É um pouco mais
Que os olhos não conseguem perceber
E as mãos não ousam tocar
E os pés recusam pisar
Sei lá, não sei
Sei lá, não sei

Não sei se toda a beleza
De que lhes falo
Sai tão somente do meu coração”

Sei lá, Mangueira
(Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho)

Associação de Pais e Mestres (APM)

A APM – Associação de Pais e Mestres existe para apoiar as atividades da escola, e ajudar na sua melhoria. A escola tem várias atividades complementares, não pagas pela prefeitura – são fruto do esforço de educadores, pais de alunos e colaboradores voluntários, no sentido de melhorar a escola para nossas crianças e jovens. Graças a esse esforço, foi possível construir nossa biblioteca; organizar viagens de estudo do meio para os alunos das 4as., 6as. e 8as. séries; organizar a festa junina sem cobrança de taxas, entre tantas outras atividades.

Jornal do Amorim

Todos os meses são distribuídos cerca de 500 cópias de jornais da APM, contendo o calendário com as principais datas daquele mês, além de notícias importantes que já conteceram ou virão a acontecer. Contribuem, de forma voluntária, para a elaboração do jornal diversos pais e professores. A edição fica por conta do Luiz de Campos, pai de um aluno da 4ª série. O logo do jornal foi feito pelo Fernando, pai de alunos da 2ª e 4ª séries.

Contribuição voluntária

Para manter as atividades-extra da escola, nós temos feito vários esforços de arrecadação de fundos. Um deles é a contribuição voluntária. O valor sugerido para 2009, que seria suficiente para cobrir os gastos mínimos, foi de R$ 10,00 por aluno, por mês. É a mesma contribuição sugerida para o ano de 2010. As famílias que podem, contribuem com valores maiores; famílias com dificuldade para arcar com os R$ 10,00 por mês contribuem com o que podem.
Foram também, em 2009, organizados dois bazares, com sebo e brechó, e a tutoria da professora Cleide organizou uma rifa. Vendemos algumas camisetas remanescentes do Projeto Amorim Rima, e recebemos ainda uma doação de um grupo de arquitetos.

Veja abaixo a distribuição de gastos nas viagens de estudo do meio e planilha detalhada onde constam os valores arrecadados e os gastos, referentes ao ano de 2009. O valor arrecadado foi suficiente para complementar despesas e oferecer isenções para as viagens de estudo do meio, mas não conseguimos, ainda, contratar uma bibliotecária em tempo integral – uma das prioridades definidas em reunião do Conselho de Escola.

Estamos reorganizando a forma de contribuição para 2010. Contribua na medida de suas possibilidades – a contribuição de todos é fundamental para construirmos a escola de qualidade que queremos oferecer para nossos filhos.


Viagem do 4o. ano a Santos

Custo Total: R$ 7671,00=100%

Alunos pagaram: R$ 2977,00=38%

APM pagou: R$ 4694,00=62%


Viagem do 6o. ano a Santos

Custo Total: R$ 5517,00=100%

Alunos pagaram: R$ 3238,00=59%

APM pagou: R$ 2279,00=41%



Viagens 2007

Santos

Pescadores de vida

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para descobrir o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor,
que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
-Me ajuda a olhar!

Eduardo Galeano

Viagem dos 6os. anos


Viagens 2008

Viagem dos 4os. anos

6o. ano – 14 e 15 de novembro de 2008

Veja fotos:

Galeria 1

Galeria 2

Galeria 3

Viagens dos 8os. anos


Viagens 2009

Picinguaba – fotos do professor Paulo Birolini

Picinguaba galeria a

Picinguaba galeria b

Picinguaba galeria c

Picinguaba galeria d

Reportagem sobre gestão democrática nas escolas

No dia 15 de março se comemora o Dia da Escola. Com tantas mudanças culturais, o advento de novas tecnologias e novos paradigmas para o desenvolvimento com autonomia dos estudantes, é preciso discutir qual é o papel que essa instituição hoje realmente desempenha na sociedade. Está claro que, acima de tudo, a instituição não está mais isolada. Cada vez mais, está abrindo suas portas para a participação da comunidade no seu dia-a-dia e em decisões importantes de seu planejamento.

“Tudo isso já está no papel, está na Lei de Diretrizes e Bases, muito bonito, mas realizar é outra história”, afirma Ana Elisa Pereira Flauqer de Siqueira, Diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Des. Amorim Lima, no bairro do Butantã, em São Paulo. Ana se refere ao projeto de “gestão democrática” das escolas, previsto por lei, mas que nem por isso é uma realidade na maioria das escolas.

“Pensar na escola democrática é pensar na sociedade democrática e as questões de fundo que se apresentam para os envolvidos nas relações de uma escola é: o que é uma sociedade democrática para mim? Como eu vejo as questões hierárquicas da escola?” questiona a diretora.

Ana admite que, muitas vezes, a raiz da falta de democracia está no autoritarismo dos próprios diretores, mas que apontar essa como causa do problema não ajuda para a solução. “Se o problema fosse só o autoritarismo do diretor, era fácil. As pessoas se movimentariam para tirar esses diretores e pronto. Mas está posto na sociedade a ideia de que o diretor manda, em geral é isso que esperam os pais, os funcionários e os próprios alunos”, afirma. “Isso precisa ser desmanchado para se construir uma nova perspectiva”, diz.

Minoria democrática
A EMEF Amorim Lima faz parte da minoria das escolas que consegue implantar uma prática de participação e integração entre os diversos perfis de atores do sistema escolar. Desde 2003, famílias ligadas aos estudantes mantêm de forma organizada diversas instâncias de discussão, como Conselho Pedagógico, Conselho de Escola e Assembleia Geral para fazer cumprir a carta de princípios aprovada por professores, pais, alunos e diretora para a instituição.

A Carta foi resultado de um longo processo de discussão estimulado pela implantação dos mais diversos projetos culturais por parte das famílias na escola desde a década de 90. “A participação em uma atividade despertava a percepção para problemas relacionados ao cotidiano e sensibilizava as mães e pais a discutir, mais que os problemas, soluções”, conta a diretora.

Hoje, divididos em comissões e grupos de trabalho, familiares de estudantes e ex-estudantes da escola estão presentes no estabelecimento quase todos os dias, conversando com os funcionários para realizar as ações necessárias para garantir a aplicação do plano de trabalho, com filosofia baseada na experiência da Escola da Ponte, de Portugal.

No entanto, ainda que pareça uma experiência harmônica aos olhos de quem sabe do caso pela primeira vez, é preciso lembrar que a aplicação de um plano construído e mantido coletivamente é resultado do esforço diário e do compromisso de todos os envolvidos.

Engajada nessa discussão, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) defende a “derrubada” dos muros da escola, assumindo uma postura de incentivo aos gestores municipais para que possibilitem o trabalho em rede e a participação das famílias nas escolas. Carlos Eduardo Sanches, presidente da Undime, alerta, no entanto, que é preciso que as escolas se preparem para receber a colaboração da comunidade interessada.

“Como organizar essa participação? É preciso que a escola defina suas próprias expectativas em relação ao papel dos profissionais e em relação ao que espera das famílias. Isso tem que estar alinhado, a acolhida na escola só funciona se tiver um planejamento”, afirma.

Professores
Se os dirigentes querem planejar o que os pais podem fazer e os pais querem apontar o dedo do que esperam dos gestores, o que dizer do professor? Muitas vezes, ele mesmo é o foco de uma atuação nem tão civilizada por parte dos pais. No caso da EMEF Amorim Lima, boa parte das discussões entre os pais foram iniciadas por causa de questionamentos a respeito da dedicação dos professores que, segundo os pais, apresentavam um índice de faltas acima do aceitável.

Os professores, por sua vez, não viam com bons olhos tanta participação das famílias na escola. Além de muitas vezes eles se mostrarem enciumados pelos pais serem os protagonistas de atividades extracurriculares, a ideia de haver controle e exigência de qualidade sobre suas atividades era vista por alguns profissionais como uma ameaça a sua autonomia.

Pelo lado dos dirigentes, Sanches não foge de comentar a velha polêmica entre professores e comunidade: “pai e mãe não vão assumir o papel que é do professor. Não se pode perder de vista que o trabalho desenvolvido na sala de aula é feito pelo professor, mas quando os pais ajudam, isso soma”.

Murilo Rossi, professor da Escola Estadual Guiomar Rocha Rinaldi, em São Paulo, admite que em parte a resistência dos profissionais a se adaptar ao modelo de gestão democrática vem de uma dificuldade de adaptação cultural, porque boa parte de seus colegas é de uma geração que tinha como foco exclusivo o conhecimento acadêmico e não acredita que o professor tem que ter mais responsabilidade do que a transmissão de conteúdo.

Mas ele também não deixa de apontar que a questão salarial dificulta a motivação para que os professores se envolvam em atividades que ultrapassem os horários de aula e as metas acadêmicas. “Se houvesse uma política de gestão que previsse banco de horas ou o pagamento de hora-extra, talvez o profissional conseguisse se dedicar a somente um emprego e se envolvesse integralmente nessas atividades”, aponta o professor, que não se mantém apenas com o salário da Escola.

Foco na sociedade
Rossi acredita, no entanto, que o que falta mesmo é mobilização política: nem mesmo para buscar melhores salários os professores conseguem se articular para fazer uma atuação coletiva, afirma. Nesse ponto, Rossi, Ana e Sanches concordam: o foco da gestão democrática da escola não deve se limitar ao próprio estabelecimento. Trata-se de uma mudança cultural que diz respeito à postura dos cidadãos e, ainda mais, aos problemas da própria sociedade.

“A escola tem que abrir espaço, debater o perfil da região e ofertar participação para as pessoas em suas atividades cotidianas ou mesmo abrir suas portas para outras atividades e experiências que ajudam o desenvolvimento local. Aulas de informática, alfabetização de adultos, abertura de bibliotecas, acesso a internet. Todas essas ações são formas de exercício da cidadania. Todas as ações da escola têm que ser mobilizadas a esse favor”, conclui Sanches.

Para Luis Braga, integrante e colaborador do Conselho de Escola da Amorim Lima, como pai de ex-alunos, a motivação para participar de atividades como essas é justamente esse projeto político: “o que eu buscava [ao começar a participar] era essa utopia, a construção de uma escola pública popular e de qualidade. A escola é a única via para construir a sociedade”.

fonte:Portal Pro-menino

Agência FAPESP

Como melhorar a educação

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Um dossiê sobre a qualidade do ensino básico no Brasil é o destaque da 60ª edição da revista Estudos Avançados, lançada na última segunda-feira (10/9). Além de reportagens sobre a situação atual dos professores do ensino público na cidade de São Paulo, a revista apresenta reflexões sobre políticas de educação e experiências de gestores em busca da melhoria do ensino.

De acordo com Marco Antonio Coelho, editor-executivo da publicação do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), o dossiê foi resultado de um trabalho conjunto com a Faculdade de Educação (FE) da USP.

“A situação do ensino básico no Brasil é um tema que tem interessado o IEA profundamente desde sua fundação e foi abordado em vários números da revista. Para focalizar o problema específico da qualidade de ensino, contamos com a contribuição dos pesquisadores da FE, que têm feito discussões importantes sobre esse aspecto”, disse Coelho à Agência FAPESP.

Segundo Coelho, há um consenso em relação à insuficiência do ensino fundamental no Brasil. A revista optou por reunir experiências que indicassem caminhos bem-sucedidos para o desafio da qualidade.

“Procuramos unir a reflexão teórica à descrição de casos de sucesso. Apresentamos, em reportagens, casos que mostram como é possível dar um salto de qualidade. Ao lado disso, fomos buscar o testemunho de educadores e gestores que estiveram envolvidos com experiências positivas”, explicou.

A reportagem Professores, elo frágil da educação faz um diagnóstico da situação atual dos professores do ensino básico público paulistano. Segundo Coelho, a matéria também aborda com detalhes uma das experiências mais reveladoras apresentadas no dossiê.

“É um projeto impressionante desenvolvido pela Escola Amorim Lima, no bairro do Butantã, em São Paulo. A proposta foi implementada a partir de 1996 pela professora Ana Elisa Siqueira e trouxe transformações significativas no funcionamento da escola, na participação da comunidade e no envolvimento dos alunos”, disse.

Participação e responsabilidade

De acordo com Ana Elisa, o projeto se caracteriza pelo trabalho em conjunto, com intensa participação de estudantes, professores, funcionários e comunidade. “Nossa meta é uma escola em que exista participação e responsabilidade de todos”, disse no evento de lançamento da revista na sede do IEA.

Coletivamente, os educadores construíram um currículo que torna possível o trabalho com roteiros que perpassam todas as áreas do conhecimento, com foco na pesquisa. “O projeto se concentra numa abordagem integral do conhecimento universal, fazendo sempre interface com a cultura”, disse Ana Elisa.

A inspiração do projeto, de acordo com a professora, é a conhecida experiência da Escola da Ponte, em Portugal. “É um projeto muito generoso no sentido em que permite que suas matrizes sejam adaptadas e aplicadas em outros lugares. Temos a mesma perspectiva de construção coletiva e distribuição das responsabilidades”, afirmou.

A revista, que tem como editor o crítico e historiador de literatura Alfredo Bosi, conta também com uma série de artigos. Três ex-secretários de Educação relatam experiências em busca da melhoria do ensino básico realizadas nos últimos anos em Porto Alegre, Belo Horizonte e Ceará.

Glaura Vasques de Miranda descreve o projeto da Escola Plural, adotado na capital mineira a partir de 1994. José Clovis de Azevedo analisa a questão da qualidade do ensino a partir de sua experiência na secretaria de Porto Alegre e Sofia Lerche Vieira, ex-secretária de Educação Básica do Ceará, trata da gestão escolar, avaliação e sucesso escolar, a partir das experiências realizadas naquele estado de 1995 a 2006.

Em outro artigo, Sandra Zákia Souza, professora da Faculdade de Educação da USP, discute as políticas de implantação da organização das atividades escolares em ciclos e as implicações decorrentes disso, como no caso dos processos de avaliação dos alunos. Ladislau Dowbor, da PUC-SP, debate a importância da vinculação do aprendizado à realidade do local onde a criança vive.

A necessidade do aperfeiçoamento do ensino de ciências nas séries iniciais é a questão abordada por Ernst Hamburger, professor titular aposentado do Instituto de Física da USP e coordenador do programa ABC na Educação Científica, da Academia Brasileira de Ciências.

A edição contém ainda outras quatro seções dedicadas a outros temas. Alimentação e educação, reúne sete artigos sobre o tema. Na seção Bertolt Brecht, os professores Celso Frederico e Mark Clark debatem textos e biografia do autor alemão.

A seção Textos traz artigos sobre Graciliano Ramos, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos, Luiz Gama e Hanna Arendt. A edição é completada por sete resenhas de lançamentos recentes no mercado editorial brasileiro.

Revista Estudos Avançados Nº 60
Editor: Alfredo Bosi
Preço: R$ 30
Mais informações: http://www.iea.usp.br
Locais de venda: http://www.iea.usp.br/iea/revista/onde.html

Jornal da Tarde – diretor de escola é esquecido pelos pais

 

Diretor de escola é esquecido pelos pais

MARIA REHDER, maria.rehder@grupoestado.com.br

Delegar para outros a responsabilidade sobre a qualidade da educação pública é característica predominante na sociedade brasileira. De acordo com a Pesquisa Ibope-Educação?, encomendada pelo movimento ‘Todos pela Educação’, 29% dos brasileiros acreditam que o Ministério da Educação (MEC) é o órgão que mais está ajudando na melhoria da educação. Enquanto isso, pouco mais de 10% da população crê que os pais de alunos e os diretores de escolas estão de fato fazendo a diferença.

Depois do MEC, aparecem o governo federal e os professores da rede pública, respectivamente. ‘Está em vigor um modelo delegativo. Em vez de participar da escola, entender o papel dos diretores e secretarias municipais e estaduais de educação, os brasileiros preferem atribuir a responsabilidade da educação para o governo e ao professor, que atua diretamente com os alunos’, afirma Fernando Abrúcio, especialista em Educação da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Não só a participação ativa da sociedade, mas a boa gestão escolar ajuda na melhoria da educação pública. É o que ressalta Luís Norberto Pascoal, presidente da DPaschoal. ‘Uma boa gestão é aquela realizada por projetos e para a definição e execução de cada um desses projetos a escola precisa contar com a contribuição da comunidade, dos pais, alunos e demais profissionais da escola.’

O executivo – que é membro do movimento ‘Todos pela Educação’ – concorda que a escola bem gerida tem impacto direto no desempenho dos alunos. Destaca, porém, que não há um modelo de gestão ideal predefinido. ‘É preciso criar espaços para a troca de experiências, de forma que os diretores tenham acesso às práticas de gestão que deram certo em outras escolas e possam adequá-las à sua realidade específica.’

Na prática

Waldir Romero, diretor da Emef Comandante Garcia D’Ávila, Zona Norte – escola cujos alunos fazem questão de ressaltar que ‘era maloquinha e hoje ficou arrumadinha’ – concorda com Pascoal. ‘A gestão aberta à comunidade e a liberdade dos funcionários fizeram com que a evasão escolar e a violência fossem reduzidas. Tal abertura leva tempo, mas dá resultados.’

Waldir assumiu a direção da escola em 1996, por meio de parceria com a Escola de Samba Unidos do Peruche, freqüentada pela comunidade local, para conseguir aproximar os familiares dos alunos da escola. ‘Os pais precisam participar do cotidiano da escola. Enquanto eles ainda delegarem a responsabilidade da educação apenas aos professores, ficará difícil ter uma educação de qualidade.’

Conselho de Escola

Já Gilberto Fracheta, membro do Conselho de Escola da Emef Desembargador Amorim Lima, Butantã, acredita que a população vê o MEC e o professor como os atores que mais ajudam na melhoria da educação, pois os professores são os grandes responsáveis por boas aulas e o MEC é que garante a liberdade no currículo escolar.

No entanto, Fracheta, que é pai de ex-aluno da Emef Amorim Lima, destaca que, quando atuam em parceria nos Conselhos de Escola, diretores e pais de alunos fazem grande diferença. ‘Essa afirmação não vale só para a Amorim, mas para todas as escolas que têm bons gestores, pois quando o diretor é democrático e incentiva a participação dos pais, esses atores se tornam fundamentais para a educação de qualidade’, afirma.

•Revista Escola – Qual o segredo do sucesso de um gestor?

Em qualquer empresa, são os resultados. Em educação, é o aprendizado de qualidade para todos os alunos. Veja o que algumas diretoras fizeram para chegar lá

Quando se trata de administrar uma instituição, a tarefa mais importante do gestor ou da equipe gestora é tomar as decisões certas para chegar a resultados positivos, ou seja, ao lucro. Em educação, essa frase poderia ser traduzida assim: implantar as mudanças necessárias na escola para que todos os alunos aprendam. Manter a papelada em dia, atualizar os relatórios e outras questões burocráticas fazem parte da rotina de qualquer administrador, mas tudo isso deve ser feito em função do objetivo principal da escola.

A Pesquisa Nacional Qualidade da Educação, realizada no ano passado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, mostrou que os pais acreditam que os diretores exercem papel importante em relação à qualidade da educação e também na comunidade. A opinião dos entrevistados, ainda que intuitiva, reforça o que os especialistas em gestão defendem há muito tempo.

A ex-secretária da Educação do estado de São Paulo, Rose Neubauer, atualmente diretora do Instituto Protagonistés, na capital paulista, lembra que nos anos 1990 ela e sua equipe acompanharam o rendimento escolar dos alunos de 60 unidades da rede paulista, localizadas em regiões ricas e pobres, urbanas e rurais. Foram descobertas várias “escolas zebras”: algumas que tinham todas as condições favoráveis para oferecer um ensino de qualidade nem sempre apresentavam bom desempenho e vice-e-versa. “O que faz a diferença é a gestão”, afirma Rose.

Atenção ao nível de aprendizagem da turma

Mas o que é uma gestão escolar eficiente? De acordo com José Ernesto Bologna, diretor do Instituto Ethos de Desenvolvimento Humano e Organizacional, em São Paulo, a resposta está na preocupação do gestor com o pedagógico: “É função do diretor ou da equipe gestora estar sempre alerta aos problemas de aprendizado para ajudar o professor a encontrar as melhores estratégias de ensino”. Além de incentivar o uso de novas metodologias e tecnologias, o diretor deve promover a discussão permanente de assuntos pedagógicos e outros que permeiam a educação, como o comportamento afetivo e sexual dos jovens, as drogas e o consumismo.

“O diretor que realmente deseja mudar faz a hora, não espera que as coisas aconteçam”, argumenta Rose Neubauer, parodiando uma canção de Geraldo Vandré. Ela afirma que a escola geralmente é uma instituição que reage negativamente a mudanças, e todos os rituais de passagem são enfrentados com resistência. Opor-se a essa inércia é uma das marcas do bom gestor.

Todos envolvidos na solução dos problemas

A boa gestão não está ligada às ações de uma só pessoa, mas envolve a comunidade pedagógica todos que interagem com os alunos e que ensinam algo a eles. Apesar de o papel do diretor ser fundamental, sozinho ele não consegue atingir as metas de um aprendizado de qualidade. O coordenador pedagógico é seu braço direito para procurar alternativas para a sala de aula, ir atrás de estratégias de ensino novas e eficientes, planejar os horários de trabalho coletivo ou coordenar discussões pedagógicas. O professor, por sua vez, também deve estar envolvido com o trabalho de gestão, pois na ponta de todo o processo está ele com sua classe, aplicando tudo o que foi discutido em equipe.

Luzia Tavares, diretora do Colégio Estadual Júlia Kubitscheck, no Rio de Janeiro, envolveu os professores e os alunos em questões ligadas à aprendizagem. “Era necessário melhorar a leitura e a escrita e os conhecimentos em Matemática de uma boa parte dos estudantes. Ao mesmo tempo precisávamos motivar os que já tinham adquirido essas habilidades”, afirma. A saída foi elaborar, coletivamente, um projeto de monitoria. No contraturno, os jovens com melhor rendimento ensinam os colegas que apresentam alguma dificuldade. “As médias de notas subiram e os alunos começaram a se sentir co-responsáveis pelo aprendizado da turma”, conta Luzia.

A comunidade também foi envolvida quando a Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima, em São Paulo, inovou a maneira de ensinar. Direção e corpo docente resolveram testar um novo modo de organizar as turmas, o que significaria romper com o sistema de séries e até, literalmente, derrubar algumas paredes. A diretora Ana Elisa Siqueira conta que a idéia era implantar um método de ensino baseado na experiência da Escola da Ponte, de Portugal, em que alunos de várias idades e séries têm aulas todos juntos, com o professor atuando como um facilitador do aprendizado em grupos menores de trabalho. O Escola Sem Paredes, como foi batizado, passou pela análise de alunos e pais, que responderam a uma pesquisa sobre a viabilidade e a aceitação do projeto. A novidade foi introduzida primeiramente com as turmas de 5ª e 6ª séries, mas, como os resultados foram positivos, o projeto será expandido a toda a escola.

Eduardo Monteiro

Prédio bem-cuidado e professores capacitados

Segundo Regina Giffoni Brito, coordenadora do curso de pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, passar de uma cultura ineficiente para uma que traga resultados positivos envolve mudança de hábitos, valores e até de arquitetura. Maria Helena Campomizzio Astolphi, diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Lucinda Araújo Pereira Giampietro, em Birigüi, interior de São Paulo, começou as mudanças pelo visual do prédio. Ao assumir o cargo, há cinco anos, ela detectou problemas de acolhimento dos alunos e tratou de melhorar a estrutura física. “A reforma do prédio e a nova pintura acabaram com as pichações e as depredações. Os alunos se sentiram mais acolhidos e muitos afirmam que se sentem em casa quando estão na escola”, afirma a diretora.

O desempenho da turma nas atividades de leitura e de escrita era outra questão que Maria Helena precisava atacar. A solução, nesse caso, foi a capacitação, inclusive da diretora, que procurou se aperfeiçoar em sua função. Durante os anos de 2003 e 2004, Maria Helena fez o curso Gestão para o Sucesso Escolar, oferecido pela Fundação Lemann e pelo Instituto Protagonistés, em São Paulo, para diretores e coordenadores pedagógicos. As aulas ajudaram a diretora a refletir sobre sua atuação perante a escola e a traçar planos de ação. “O curso foi fundamental para eu mudar minha visão sobre a função que passei a exercer”, conta Maria Helena.

Disposta a se envolver mais nas ações para melhorar o aprendizado da leitura e da escrita, ela incentivou todos os professores a participar de palestras e oficinas em jornada promovida pela secretaria municipal. Animada com as novas possibilidades de ensino, a equipe sugeriu diversas ações, imediatamente encampadas pela direção: uma pesquisa para detectar as preferências de gêneros de leitura dos alunos; o convite a grupos de contadores de histórias para apresentações periódicas; a publicação do jornal Olho Vivo, com a participação de todas as turmas; e a rádio da escola, que entrou no ar em setembro com um programa musical veiculado na hora do recreio com entrevistas, histórias da música brasileira, recados e propagandas tudo produzido pelas turmas de 1ª a 8ª série.

Outra sacada da equipe foi envolver os pais nos projetos de leitura. Três vezes por semana, um deles vai até a escola ler para as turmas. Depois de ouvir os contos, os alunos debatem a história que acabaram de escutar”, conta Maria Helena.

A diretora faz parte da primeira turma de gestores formados em 2004 pela Fundação Lemann e pelo Instituto Protagonistés. O grupo era composto de 200 diretores de escolas dos estados de São Paulo e Santa Catarina. Os alunos das 4as e das 8as séries de todas elas foram avaliados antes do início do curso e alguns meses após o encerramento. A média geral dos estudantes das 4as foi de 24,2 para 28,55 de um total de 40 pontos. Já nas 8as, as notas evoluíram em média 9%, indo de 26,5 para 29,96. Além disso, em ambas as séries houve redução no porcentual de alunos situados nas faixas das notas mais baixas.

Características do bom gestor

Para José Ernesto Bologna, o diretor da escola é como um maestro: “Ele rege a orquestra, mas suas mãos são ampliadas pelo grupo de especialistas que o rodeia”. Um bom gestor deve ser um líder e agregar as seguintes atitudes:

Estar sempre preocupado com os resultados da aprendizagem.

  • Participar do planejamento e fazer o acompanhamento do trabalho docente.

 

  • Conversar com alunos e funcionários para detectar problemas e níveis de satisfação e ouvir sugestões.

 

  • Ser um construtor de consensos, mas estar sempre aberto às novas idéias e à diversidade, aceitando opiniões e novas propostas.

 

  • Ser audacioso o suficiente para fazer as mudanças necessárias visando sempre melhorar a qualidade do ensino.

 

  • Manter as questões administrativas em dia.

Folha de São Paulo – Eu acredito na escola pública

OCTÁVIO MOTTA FERRAZ
Da equipe de trainees

Dona Luisa Nakabashi e seus 4 filhos, Careen, 27, Myna, 29, Nicols, 25, e Cassius, 15 (da esq. da dir.), na escola estadual Érico de Abreu Sodré, na Vila Mariana, onde todos estudaram
No Brasil de hoje, quem tem condições financeiras não deve pensar duas vezes antes de colocar seus filhos numa escola particular, certo? Errado. Pelo menos é essa a opinião do corretor de seguros Luiz Braga, da funcionária aposentada do Banespa Luisa Nakabashi e da jornalista Ivanir Lopes. Eles têm em comum a convicção de que a escola pública ainda é a melhor opção para seus filhos.

Braga, Nakabashi e Lopes fazem parte de uma minoria no país. Segundo pesquisa do Inep de maio deste ano, apenas 7,5% dos alunos da escola pública são de famílias das classes A e B. A grande maioria dos alunos vem de famílias das classes D e E (58,1%) e C (29,7%).

Para Luiz Braga, a idéia generalizada de que as escolas particulares são muito melhores que as públicas “é um engodo”. No ano que vem ele colocará seu filho de seis anos na escola pública municipal Desembargador Amorim Lima, do bairro do Butantã (zona oeste de São Paulo).

“Não conheço nenhuma escola particular que tenha um projeto pedagógico tão diferenciado como a Amorim Lima”, afirma. Dá como exemplo a questão da cidadania. “Nas escolas particulares, o assunto costuma fazer parte do currículo, como outra matéria qualquer.” Na Amorim Lima, diz, “a cidadania faz parte do próprio projeto pedagógico”.

Outro ponto importante para ele é a diversidade social dos alunos. “Na escola pública meu filho vai estudar com gente de todas as classes, desde o filho das pessoas pobres que moram na favela São Remo (próxima à escola), até filhos de professores da USP e profissionais liberais como eu”, diz.

Esse ponto também é ressaltado pelo psicanalista Contardo Calligaris, cujos três filhos estudaram em escola pública no exterior. Para ele, “a escola privada, mesmo que seja excelente, tem um déficit social, ou seja, ela não proporciona a experiência que a escola pública proporcionaria, de conviver durante os anos de escolaridade com diversos níveis sociais”.

Luisa Nakabashi tem idéias parecidas. Todos os seus quatro filhos estudaram em escola pública. Os três mais velhos, Myna, Careen e Nicols, que já terminaram o ensino médio, freqüentaram as escolas estaduais Érico de Abreu Sodré e Brasílio Machado, ambas na Vila Mariana (zona sul de São Paulo). O filho mais novo, Cassius, 15, está na sétima série da escola estadual de ensino médio Rui Bloen, em Mirandópolis (também na zona sul).

Nakabashi decidiu que os filhos iriam estudar em escola pública para “se deparar com a realidade; para conviver com crianças que nem condições de comprar uniforme tinham”.

Assim como Braga, ela acha que há uma supervalorização da escola particular, ressaltando que seus três filhos mais velhos estão na universidade. Myna, 28, faz doutorado em biologia na USP.

Para a jornalista Ivanir Lopes, que tem um filho na sétima série da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP, a principal razão para manter seu filho lá é o projeto pedagógico diferenciado. “A educação na Escola de Aplicação tem um componente lúdico que não se encontra em outras escolas, nem mesmo nas particulares”, afirma.

Todas essas escolas, porém, são destaques dentro de um sistema público com muitas falhas. Se tivesse que optar entre a escola particular e uma escola pública padrão, Calligaris admite que provavelmente escolheria a primeira. Lopes pensa da mesma maneira e colocará seu outro filho, que não conseguiu vaga na Escola de Aplicação, em escola particular.

Folha de São Paulo – Quem quer ficar com São Paulo

GILBERTO DIMENSTEIN

Numa das mais ousadas experiências desenvolvidas atualmente em uma escola pública no Brasil, pais de alunos estimularam a derrubada das paredes das salas de aula. Surgiram, no lugar delas, amplos espaços multidisciplinares. Os alunos se dividem em pequenos grupos, cuja tarefa é, essencialmente, pesquisar e produzir conhecimento, orientados pelos professores das mais diferentes matérias compartilhando o mesmo espaço.
Os grupos circulam por vários ambientes e mesclam aulas de capoeira, teatro, ecologia e jogos com o currículo tradicional de português, estudos sociais, ciências e matemática. O aprendizado não é medido por testes burocráticos, mas pelo desenvolvimento de habilidades e pela capacidade de associação de idéias.
Apesar de contar com o estímulo oficial, não há ali nenhum recurso público extra. Atingiu-se tal ponto de sofisticação devido à ação das famílias e da comunidade em articulação com os educadores. Neste fim de semana, por exemplo, pais, alunos e professores decidiram reunir-se, em torno de uma macarronada, para produzir painéis e embelezar essa escola municipal (Amorin Lima), no Butantã, bairro de classe média da cidade de São Paulo.
Esse laboratório comunitário dá uma extraordinária lição – e talvez a menos importante seja a de pedagogia- aos candidatos à prefeitura paulistana.

O debate sobre a eleição paulistana transmite a impressão de que a cidade está em segundo lugar. A preocupação das elites políticas está centrada no impacto da eleição no cenário federal e estadual.
Nos bastidores, especula-se se o vencedor usaria o cargo apenas como um trampolim para projetos maiores, de curto prazo. Marta Suplicy talvez, quem sabe, viesse a disputar o governo estadual; ganhando nas urnas, José Serra analisaria a possibilidade de dar mais um salto antes mesmo de acabar seu mandato. Paulo Maluf precisaria de palanque para se defender das denúncias cada vez mais avassaladoras da existência de contas bancárias em seu nome no exterior.

Marta e Serra me disseram que pretendem cumprir, se eleitos, o mandato. A ver. É certo, porém, que encaram, em algum grau, a prefeitura como uma passagem, o que, diga-se, é legítimo e compreensível -enfim, faz parte da vida política. Mas vão ter de provar que, se eleitos, vão mergulhar na efervescência de São Paulo, cenário de uma ofensiva comunitária jamais vista na cidade, na qual aquela escola transformada em laboratório é um dos muitos sinais -é uma reação à violência, à pobreza, à degradação urbana, movida pela constatação de que o poder público não irá muito longe sem parcerias.
Disseminam-se associações para cuidar não apenas de bairros mas especificamente de ruas, praças e parques. E até mesmo de árvores e de monumentos. Arquitetos ajudam a embelezar favelas como a Heliópolis. Cansados da feiúra, comerciantes tiram dinheiro do próprio bolso para melhorar as calçadas em frente às suas lojas e bancam intervenções paisagísticas. Construtoras fazem melhorias nas comunidades em torno de seus empreendimentos para não ter obras embargadas, ganhar simpatia ou ter seus imóveis valorizados.

Um dos mais interessantes sinais da reviravolta urbana ocorre na recuperação do centro da cidade, que está visivelmente melhor. Tudo começou com a reação da comunidade e agora se multiplicam ações que (coisa rara no Brasil) agregam vários departamentos dos governos municipal, estadual e federal, além da iniciativa privada.
Alguns dos programas de complementação de renda são resultado de uma engenhosa teia formada por verbas de todos os níveis de governo.
Museus, teatros, cinemas, orquestras, livrarias e espaços culturais desenvolvem programas de inclusão educacional, seja atraindo alunos de escolas públicas, seja formando professores. Pela periferia, multiplicam-se cursinhos pré-vestibulares gratuitos e uma infinidade de projetos de protagonismo juvenil, muitos dos quais na arte, como os voltados para o grafite e para o hip hop.

Como é o centro brasileiro do chamado terceiro setor -não há na cidade uma só grande empresa que não patrocine um projeto comunitário-, São Paulo só poderia ser naturalmente a grande escola de experiências comunitárias do país. É o berço da responsabilidade social das empresas. A Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, inventou um pregão apenas para investidores drenarem recursos a projetos sociais. Preparam-se, no setor financeiro, linhas de empréstimo a empresas socialmente conscientes.
É profundo o esforço de reciclar mão-de-obra daqui para se adaptar à vocação de serviços, em que moda, culinária, marketing, propaganda, medicina e finanças, entre outros setores, geram excelência e cosmopolitismo.
De acordo com o que acompanho de outras cidades pelo mundo, como Bogotá, Cidade do México, Nova York, Chicago, Boston e Barcelona, é possível dizer que São Paulo é um gerador de experiências, o que a torna referência como laboratório social. Quem não percebe isso simplesmente não conhece a cidade.

A combinação fértil (embora dolorosa) de riqueza humana -afinal, somos o pólo mais importante do capital humano brasileiro- com degradação urbana fez de São Paulo não apenas um desafio mas uma monumental aventura contemporânea.
O fato novo é o nascimento de um sentido de coletividade, de pertencimento. Esse movimento será reforçado se o prefeito não encarar a prefeitura como um meio, mas como um fim; que não queira só “ficar” com a cidade, mas se casar com ela ou, pelo menos, namorá-la profundamente.

PS – Pode-se discutir a eficiência ou validade do CEU como escola, mas não como um centro comunitário em bairros sem equipamentos culturais. Seria péssimo se, numa eventual derrota de Marta, aquele projeto, a exemplo do que ocorreu com escolas desse tipo, entrasse em crise. É o risco que correm planos feitos para servir de marca de um governo e/ou de um governante -mas, nesse caso, isso precisa ser evitado.

Folha de São Paulo – O prazer de derrubar grades

 

GILBERTO DIMENSTEIN

Educada por freiras do colégio Sion, em São Paulo, filha de pais que lhe impunham severas condições para freqüentar festas, Ana Elisa Siqueira sempre foi bem-comportada. Até passar a dirigir uma escola pública: começou a arrancar grades, a derrubar paredes das salas, a subverter a rotina de professores e a se misturar a alunos que não gostavam de estudar. A transgressão fez com que a escola da qual é diretora fosse apresentada no Fórum Mundial da Educação, no domingo passado, como um laboratório pedagógico.
Há sete anos, Ana Elisa assumiu a direção da Escola Municipal Desembargador Amorin Lima, numa rua sem saída do Butantã. A diferença se vê logo na entrada do prédio: um acolhedor jardim e paredes decoradas com painéis de mosaico feitos pelos alunos. “Ninguém aprende num lugar triste e desinteressante.” Seu primeiro gesto foi arrancar as grades de ferro. “Os alunos se sentiam presos.” Para levar seu projeto adiante, Ana Elisa teve uma vantagem: como a escola fica no Butantã, muitos de seus estudantes são filhos de professores da USP. A comissão de pais tornou-se uma peça fundamental na gestão e estimulou o gosto da diretora pela experimentação.
Depois, era derrubar as grades curriculares. Desde 2003, assessorada pela psicóloga Rosely Sayão -especialista em novas relações de aprendizagem professor/aluno-, introduziu aulas de capoeira, dança, educação ambiental e teatro conectadas às aulas de ciências, história, geografia e língua portuguesa. Sugeriu, então, que os alunos formassem grupos de cinco e circulassem em vários espaços, sempre pesquisando juntos. “O papel do professor é ensinar a pesquisar.” Fez que os professores derrubassem as suas próprias grades.
Para ter essa circulação, ela resolveu literalmente pôr abaixo as paredes. No lugar das apertadas salas com cadeiras enfileiradas diante da lousa, surgiram salões imensos, onde dezenas de grupos trabalham ao mesmo tempo sobre diferentes assuntos, orientados por diferentes professores.
Sem saber, porém, Ana Elisa estava criando uma bomba. Os alunos submetidos ao novo sistema exibem melhor aproveitamento, mais curiosidade e mais responsabilidade. Suas salas são mais conservadas, o corredor é mais limpo. Os demais, confinados às salas antigas, com matérias e professores tradicionais, estão revoltados a tal ponto que há diferentes horários de recreio. “Espero que no próximo ano todos estejam no mesmo sistema.” Seu projeto é aproveitar as férias de fim de ano para derrubar mais paredes. “Quanto menos grades, mais prazer na escola.”