Escola municipal promove inclusão com projeto pedagógico diferenciado.

Rede SACI
22/11/2004

A diretora da Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, Ana Elisa Siqueira, fala sobre os progressos obtidos com a metodologia de trabalho

Ana Beatriz Iumatti

A Amorim Lima é uma escola pública diferente. Há oito anos, sua diretora transformou o modus operandi da escola e propôs uma nova forma de organização. O currículo da escola está voltado para a cultura brasileira e para os esportes. Na escola há uma pista de skate, horta e mosaicos espalhados por suas paredes dando uma impressão de vida a seus visitantes. Conheça mais sobre a Amorim no texto abaixo
A questão da inclusão
“Estamos fazendo um trabalho de fortalecimento da comunidade, o que foi fundamental na história do Amorim. Eu estou há oito anos aqui no Amorim Lima e temos construído um trabalho de participação. Na quantidade e na qualidade da participação dos pais, que é muito grande. Eles participam muito e de verdade. Têm um posicionamento muito claro do que eles querem da escola, como eles querem a escola e é isso que, nesses oito anos, tem ajudado muito o trabalho.
Porque na perspectiva da inclusão, os pais se mostram muito solidários à ação do diretor, pelo menos na minha experiência. E a inclusão não é feita somente com os alunos que têm os problemas ditos mais graves. Você precisa incluir a criança que não gosta de estudar, aquela que não é olhada pela família, que tem dificuldade, até as crianças que não se aceitam como pessoas, pois nós temos isso também.
O que eu percebo é que os pais têm bastante sensibilidade em relação a essas questões. Primeiro, porque se sentem na pele dos outros pais, pois sabem que a qualquer momento um desses problemas pode vir a acontecer com eles. Então, os pais são muito parceiros nessa perspectiva. Quando eu cheguei havia essa prática de que ‘a gente pode tirar’ o aluno que dá muito trabalho, ele pode ser transferido. Eu nunca tentei isso, de falar com o diretor de outra escola e sugerir uma troca de problema: ele me manda um aluno ‘problema’ e eu mando outro. Eu prefiro os meus problemas, os problemas que vêm para mim, do que os problemas dos outros. Porque os problemas que chegam aqui, nós tentamos conhecer e cuidar. Muitas vezes, não conseguimos e aí escapa das nossas mãos.
Mas, muitas vezes conseguimos. Então, quando havia uma pressão dos professores para que algum aluno saísse, a questão era levada ao Conselho de Escola (formado por representantes de todos os funcionários, pais e alunos) e os pais me apoiavam muito.
Os pais do Conselho do Amorim são muito diversificados, a nossa clientela é muito diversificada. Temos pais com nível universitário, que fazem doutorado, mestrado, e pais analfabetos, que tiveram o mínimo de escolaridade. Mas, de qualquer forma, a escola tem uma comunidade que é muito diversificada e isso é muito interessante.
Isso cria um diálogo e uma rede de solidariedade. Teve uma família em que o pai e mãe vieram para São Paulo fazer doutorado na USP e havia uma pessoa que trabalhava na casa deles fazendo trabalho doméstico. Os filhos dela e desse casal, todos estudavam aqui. Então, essa convivência é um aprendizado maravilhoso. No Conselho, não há essa diferença de ‘classe social’. Já faz uns quatro anos que a gente também tem um pai que usa cadeira de rodas. E isso muda em muita coisa, ele é o presidente do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente, o Gilberto Frachetta. Ele é muito rígido nessas questões, o que é fantástico. Existe um protetor dessa questão dentro da escola.
Este ano, estamos com uma criança que veio do ‘Lugar de Vida’ (Pré escola terapêutica do Instituto de Psicologia da USP), com um laudo de autismo. A menina está bastante comprometida, ela tem dez anos e é a primeira vez que vem à escola. A idéia do ‘Lugar de Vida’ é que essa menina fosse para uma EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil). O pai saiu à procura de escolas e veio aqui, quando resolveu que queria esta escola.
Mas o Amorim não tem educação infantil. Aí o NAE (Núcleo de Ação Educativa) achou melhor que ela entrasse no ensino fundamental mesmo, porque já tinha dez anos e seria bom ter contato com crianças mais velhas. A Amanda, então, acabou vindo para o Amorim e no começo sua chegada foi bastante conturbada porque ela é uma criança que depende muito ainda de uma outra pessoa que esteja junto.
Quando eu a conheci, achei que realmente o melhor para ela teria sido uma EMEI, mas agora ela está superadaptada. Vem três vezes por semana, mas já vai começar a vir os cinco dias. Nós conseguimos, para os dias em que a Amanda vem, uma estagiária da USP de psicologia para acompanhá-la. Não só a ela, mas a classe toda. Se a Amanda estiver bem, ela ajuda em outras coisas.
Existe uma dificuldade dela se organizar dentro da escola, as professoras têm medo que ela saia e vá embora, ela não fala, ainda não consegue sustentar o olhar. Mas ela já apresenta grandes progressos, é impressionante. Não apenas por parte dela, mas por parte da mãe, da família.
Essa mãe mudou completamente. Assim que chegou o material da Prefeitura, ela foi a primeira a trazer o material, tudo com nome, lápis apontado e ela ainda não consegue nem pegar num lápis. Então, por conta do projeto que a gente tem hoje, a Amanda é uma questão de toda a escola. Quando ela chegou, cada um reagia diferente com ela, por exemplo, uma inspetora de alunos rolava na grama com ela, cada um ficava junto de um jeito. Isso foi muito bacana porque nós começamos a ver que a escola podia assumir a questão.
A escola tem que ter uma maneira de incluir bastante boa tanto para a pessoa, como para as pessoas que já estão no processo escolar. Isso não pode ser de qualquer jeito, tem que haver o cuidado. Nunca recebemos crianças com outros tipos de deficiência, visual, auditiva; o nosso caso mais grave é a Amanda. Ela ainda não está em processo de alfabetização, não é essa nossa perspectiva por enquanto.
Projeto pedagógico
Estamos trabalhando com o primeiro e o quinto ano do ensino fundamental dentro desse projeto. A perspectiva dele é a de que os alunos comecem a construir uma autonomia de aprendizagem.
Então, por exemplo, os 105 alunos do primeiro ano ficam juntos numa sala só, mas não juntos o tempo todo. A mesma coisa acontece no quinto ano. O projeto começou este ano e a idéia foi iniciá-lo com as duas pontas de ciclo, antes de expandir para a escola inteira.
Antes, havia três salas de quinto ano que nós juntamos em uma só. A gente tem, no primeiro ano, por exemplo, 21 grupos de cinco alunos. E estão ‘nomeados’ com letras, até a vigésima primeira. Só que elas nunca ficam juntas o tempo todo.
As atividades são as seguintes: jogos cooperativos, informática, circo, capoeira, sala de leitura, educação ambiental, música e a sala de aula que é a sala de atividade. No primeiro ano, é basicamente o trabalho de leitura, escrita e matemática. No quinto ano, é o trabalho de português, matemática, geografia, história e ciências. As outras atividades para os maiores são inglês, artes e teatro. Essas atividades extras estão sendo trabalhadas como oficinas.
Durante a semana, todas passam por todas as atividades. O grupo A, por exemplo, vai sempre junto em todas as atividades que são da rotina. Em cada atividade, sempre estão cinco grupos ou 25 alunos, sempre grupos diferentes da atividade anterior. Assim, os 21 grupos se encontram sempre nas atividades. E o melhor é que, para 25 alunos, há três professores na sala de aula, o que permite que cada um dispense uma atenção maravilhosa para cada grupo.O professor consegue trabalhar pessoalmente com as questões de cada um.
A escolha dos grupos foi feita aleatoriamente, no começo. No decorrer do ano, houve algumas modificações. No primeiro ano, na perspectiva da alfabetização, houve um esforço para que os grupos se organizassem de forma que os alunos que têm mais facilidade ajudarem os outros. No quinto ano, houve casos de pessoas que são muito amigas, mas ‘não funcionam’ na hora de trabalhar juntas.
As mudanças ocorreram, mas antes há diversas conversas com o grupo, com o aluno que vai ser mudado. Então, a perspectiva é a de que o aluno trabalhe o tempo todo em grupo, mas a aprendizagem dele é pessoal, porque cada um aprende ou entende de um jeito diferente.
A idéia da classe homogênea (heterogênea) vem desse princípio. No quinto ano, como os alunos já são alfabetizados, a construção da autonomia é mais rápida e mais fácil. Os professores organizam um currículo em termos de objetivos, os alunos escolhem esses objetivos e trabalham em cima deles.
O professor traça os objetivos a partir do currículo, que é um recorte do conhecimento que as pessoas fazem, já que hoje em dia não existe mais currículo oficial. Nos atuais parâmetros curriculares cabe tudo e mais um pouco. Então, como é muito difícil você definir um currículo ou um projeto de acordo com os professores que estão na escola, já que muitos não ficam aqui ou não trabalham com certo livro, por exemplo, é a comunidade que deve ser a mola propulsora de um projeto que de fato permaneça”.